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A Luta dos Economistas por Poder
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de São Paulo,
Mais! 15/06/97
Maria
Rita Loureiro pergunta-se neste livro - que foi sua tese de livre-docência na
Universidade de São Paulo - por que os economistas teriam tanto poder no Brasil? Ou, na
verdade, não passariam de técnicos mobilizados para reforçar o poder de presidentes e
ministros? A estas duas questões específicas ela adiciona outras de caráter mais geral:
na medida em que os economistas fazem parte do Estado, teria este autonomia em relação
às demandas e interesses dos grupos e classes sociais? Ou seria o Estado um instrumento
das classes dominantes? E, afinal, na medida em que haja um certo grau de autonomia, seria
ela compatível com a democracia?
Estas
não são perguntas triviais. E ao colocá-las a autora não pretende dar-lhes uma
resposta. Logra, entretanto, através da utilização do conceito sociológico originado
em Bourdieu de campo social, fazer a análise fascinante da atuação dos políticos na
cena brasileira nestes últimos cinqüenta anos. A partir desse recurso metodológico a
autora nos mostra o campo econômico, constituído pela comunidade científica dos
economistas, como uma arena de lutas em que indivíduos e grupos lutam pela supremacia de
suas idéias a partir de opções ideológicas anteriores. Como socióloga que é, Maria
Rita não está interessada em avaliar ou discutir as idéias econômica em conflito nesse
período, mas ver como essas idéias ganham força, constróem consensos e depois entram
em declínio, em função das mudanças que estão ocorrendo no plano da realidade
econômica.
O livro
possui uma introdução e três capítulos, o último dos quais assumindo uma perspectiva
internacional comparada. A Introdução, além de colocar as questões gerais que serão
discutidas no texto, procura dar-lhes uma resposta preliminar. Os economistas são tanto
ou mais importantes quanto melhores respostas der a teoria econômica aos problemas
enfrentados pelos governantes, quanto maior for o grau de intervenção do Estado na
economia e quanto maior for a crise econômica. Por estas duas últimas razões os
economistas têm um papel político menor nos países desenvolvidos.
O auge do
prestígio dos economistas nos países desenvolvidos ocorreu no período em que o mainstream
econômico era keynesiano, porque com Keynes os economistas passaram a contar com bases
teóricas respeitáveis para a elaboração e implementação de políticas econômicas.
Nos últimos quinze anos, entretanto, as políticas econômicas keynesianos, que refletiam
um momento histórico dado, perderam força. Da mesma forma, as experiências de
planejamento e de política de promoção do desenvolvimento econômico, que haviam sido
bem sucedidas a partir os anos 30, deixam de ser efetivas. Em conseqüência retornam os
economistas neoclássicos à hegemonia ideológica, e o campo econômico perde prestígio
relativo. Só não perdeu mais porque nesse mesmo momento (anos 70) tinha início a
segunda grande crise econômica do século vinte - a crise dos anos 80 -, que nos países
da América Latina e do Leste Europeu alcançou níveis agudos, obrigando-os a envolver-se
em profundas reformas econômicas orientadas para o mercado. Neste momento, embora a
idéia dominante tenha voltado a ser a da não intervenção, tornando dispensáveis os
economistas, estes conservaram grande parte de seu prestígio na medida em que propunham e
se demonstravam necessário para implementar o equilíbrio das contas do Estado, a
privatização, a desregulamentação.
Analisando
o campo econômico brasileiro em dois capítulos - um referente ao período 1930-1964 e o
outro, pós-64 - Maria Rita nos oferece uma imagem viva das lutas teóricas e
ideológicas, que muitas vezes se confundem, para alcançar legitimidade e hegemonia.
No
primeiro capítulo temos a emergência dos economistas no cenário acadêmico e político,
o processo de construção de seu espaço de competência específica dentro da
universidade e principalmente no Estado, cujas instituições os abrigam: Conselho Federal
de Comércio Exterior, Ministério da Fazenda, Banco do Brasil, DASP, SUMOC, FGV, ISEB,
CEPAL, etc. Neste momento a luta fundamental é entre os "estruturalistas",
voltados para a industrialização substitutiva de importações e a consolidação do
Estado nacional brasileiro, e os "monetaristas", preocupados em estabelecer uma
economia de mercado no país; os primeiros na busca de uma teoria original, específica
para os países latino-americanos, ou, mais amplamente, para os países em
desenvolvimento, e os segundos afirmando a universalidade e atemporalidade da teoria
econômica. Apesar do prestígio dos últimos, que dominam a universidade, os primeiros
são afinal hegemônicos, na medida que respondem mais diretamente às necessidades do
Estado e do desenvolvimento do país. Não se trata, entretanto, de uma hegemonia plena.
Muitas vezes estruturalistas se revezavam no governo, e, nos governos militares,
freqüentemente conviveram, a partir da existência de dois ministérios econômicos: o da
Fazenda e o do Planejamento. Os grandes nomes da época são, de um lado, Celso Furtado e
Ignácio Rangel, de outro, Eugênio Gudin e Octávio Gouvea de Bulhões.
A crise
do keynesianismo e do planejamento econômico, entretanto, será também a crise do
estruturalismo e do desenvolvimentismo. As políticas econômicas expansionistas do Plano
Cruzado e seu fracasso retumbante encerram uma época. O estruturalismo tivera um papel
fundamental em apoiar a industrialização, mas as distorções do desenvolvimentismo o
levaram ao colapso. Será o momento do retorno à ortodoxia? Não ainda. Nos anos 80 o
país vive os tempos anormais de uma grande crise econômica e da alta inflação. E para
isto vão ser necessários instrumentos que os livros textos não contêm.
No
segundo capítulo Maria Rita analisa o papel dos economistas no pós-64. A grande mudança
que ocorre na profissão é sua internacionalização. Uma parte importante dos
economistas será agora formada em programas de doutorado no exterior, principalmente nos
Estados Unidos. A economia se matematiza, os economistas se sofisticam. Surgem os cursos
de pós-graduação em economia no país: de um lado, a ortodoxia na Fundação Getúlio
Vargas do Rio de Janeiro, de outro, o estruturalismo da Unicamp e da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (que nos anos 30 havia sido o bastião da ortodoxia); no meio do
caminho, a PUC do Rio de Janeiro, a USP e a FGV de São Paulo. Maria Rita concentra-se na
análise de apenas três dessas instituições (FGV do Rio, PUC do Rio e Unicamp),
analisando sua produção acadêmica: as duas primeiras instituições publicando cada vez
mais em inglês, a última, sempre em português.
Os novos
economistas, muitos recém-chegados do exterior, continuam a ser recrutados pelos
governos. Mas, exceto no caso do grupo que se reúne em torno do IPEA, sua permanência é
geralmente curta. Ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, onde o papel dos
economistas é de o de funcionários de carreira ou de "advisers", no Brasil os
economistas, embora sem se tornarem funcionários, formam equipes econômicas, tornam-se
ministros, assumem a direção da política econômica, tornam-se uma espécie de
políticos. Sim, uma espécie, porque os verdadeiros políticos, segundo Maria Rita,
"vivem a política", enquanto os economistas no governo "passam pela
política". A política "não é vista como um fim, mas como um meio para ser
mais valorizado e prestigiado como economista". E no entanto, nem por isso permanecem
na vida acadêmica. Depois de uma passagem pela universidade e pelo governo, muitos dos
economistas se tornam consultores.
Maria
Rita, na introdução de seu livro afirma que um dos fatores que a levaram a se interessar
pelo tema, logo após o confisco dos ativos financeiros ocorrido no Plano Collor,
"foi a constatação da irresponsabilidade política dos autores desse plano, e dos
anteriores - todos, ao fim e ao cabo, ineficazes para o controle da inflação". E no
entanto, na parte final do segundo capítulo seu tema é o plano que afinal foi bem
sucedido - o Plano Real. Bem sucedido por que? Maria Rita reconhece que o plano foi
inovador - rigorosamente heterodoxo, eu diria - e mostra como o Ministro da Fazenda que se
responsabilizou por ele - Fernando Henrique Cardoso - soube operar politicamente. Não
volta, entretanto, à análise das lutas ideológicas e teóricas entre os economistas. Se
o tivesse feito, talvez pudesse ter assinalado que as idéias que estão na base do plano
- a teoria da inflação inercial - foram desenvolvidas por economistas
neo-estruturalistas da PUC do Rio de Janeiro e da FGV de São Paulo, a partir de uma
idéia inicial de Mário Henrique Simonsen sobre a realimentação inflacionária. Que
essas idéias inovadoras, e principalmente a solução original encontrada por Pérsio
Arida e André Lara Resende para neutralizar a inércia através da criação temporária
de um índice-moeda (a URV), são talvez a maior contribuição brasileira à teoria
econômica.
Em seu
livro Maria Rita Loureiro não está interessada em avaliar os economistas, nem em
discutir suas idéias. Prefere fazer sua análise sociológica, vê-los como objeto de
estudo, analisar como eles lutam por reconhecimento e poder. No Brasil, realizaram essas
tarefas com grande projeção. Por que? Porque contaram com teorias inovadoras que se
transformaram em ferramentas de intervenção no mercado: a macroeconomia keynesiana, a
teoria estruturalista da industrialização, a teoria neo-estruturalista da inflação
inercial, sem contar as teorias ortodoxas exigindo disciplina fiscal, política monetária
firme, taxa de câmbio realista, preços livres, que nos momentos de normalidade, como
aquele para o qual caminhamos depois do Plano Real, são as únicas possíveis, mas que,
mesmo nos momentos anormais do início da industrialização ou das grandes crises, não
podem ser esquecidas se não quisermos agravar ainda mais a crise. Porque em alguns
momentos souberam enfrentar a crise e a mudança com imaginação e coragem. Porque
viveram em uma época em que a autonomia relativa do Estado em relação à sociedade
aumentou consideravelmente, fazendo que amplos espaços da gestão econômica ficassem
reservados à burocracia especializada (principalmente o controle da moeda e do câmbio),
sem que nem por isso o regime democrático deixasse de florescer. Pelo contrário, hoje
parece estar claro que uma condição da democracia é a estabilidade econômica, que só
pode ser alcançada e mantidas se políticas econômicas competentes, que respeitem os
fundamentos macroeconômicos, forem adotadas. E para isto, os economistas continuarão
indispensáveis, mesmo nos momentos de normalidade. Agirão como um misto de técnicos e
políticos, como salienta Maria Rita, debaterão entre si e com a sociedade, em um
reconhecimento que estão longe de ter o monopólio da verdade, e serão tanto mais úteis
quanto mais forem capazes de conciliar princípios gerais de racionalidade econômica com
a capacidade de reconhecer o novo, de perceber a mudança, e de descobrir novas soluções
para novos problemas.
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