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Um Compromisso de Todos Nós
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de São
Paulo
O programa de renda mínima, nos termos que está sendo
proposto pelo senador Eduardo Suplicy, é liberal e progressista. Este fato confunde os
social-democratas, que supõe que tudo que é liberal é conservador, e os conservadores,
que teoricamente apoiam as idéias liberais mas sempre privilegiam a ordem e o status quo.
Na verdade, os programas de renda mínima ou de renda básica são uma expressão tipíca
do social-liberalismo, de uma terceira via entre a esquerda e a direita que não é um
mero compromisso, mas, como nos diz Bobbio em seu último livro, Destra e Sinistra,
"uma síntese para frente", uma superação às vezes possível da oposição
esquerda-direita.
O programa é liberal porque elimina ou reduz fortemente a
participação da burocracia nos programas sociais, porque atribui a cada indivíduo a
responsabilidade por usar a renda mínima recebida como bem entender; é progressista
porque distribui efetivamente a renda, porque usa a capacidade de tributar do Estado para
promover a justiça social.
A pergunta conservadora, venha ela dos que são de direita
ou dos que se imaginam de esquerda, é sempre a mesma: como financiar um programa destes,
se o país já enfrenta um problema fiscal tão grande? E respondem: "Vamos,
primeiro, resolver a crise fiscal, e, depois, pensaremos na renda mínima". Ou seja,
vamos manter o status quo a qualquer preço, ao mesmo tempo que mantemos nossa
consciência em paz. O Brasil ainda não está "maduro" para um programa desse
tipo.
Há, entretanto, respostas menos enviezadas e mais
realistas para este tipo de pergunta. Para financiar um programa de renda mínima, que
custará entre 12 e 14 bilhões de dólares anuais, é preciso realmente uma decisão da
sociedade. Uma decisão não apenas de reduzir drasticamente os programas sociais
correntes, cujo valor é provavelmente correspondente a um terço dessa quantia, mas
também a decisão de pagar mais impostos. Como diz o notável cientista político da
Universidade de Chicago, Adam Przeworski, "nenhum país civilizado paga menos de 35
por cento de sua renda em impostos". No Brasil pagamos 25.
Por outro lado, é importante lembrar que no projeto do
senador Suplicy o programa é introduzido gradualmente, em um prazo de 25 anos,
atendendo-se em primeiro lugar os mais velhos. A sociedade terá, assim, tempo de se
ajustar fiscalmente para fazer frente ao compromisso que assumir.
Porque não tenhamos dúvida, um programa de renda mínima
é um compromisso da sociedade. Um compromisso com a justiça, um compromisso com a
modernidade, um compromisso com a responsabilidade individual de cada um, um compromisso
com a responsabilidade social de todos nós.
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