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A Universidade Competitiva
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Jornal de
Brasília, 02/04/95
Ao tomar a decisão de iniciar um processo de avaliação objetiva
da qualidade dos cursos superiores, através da exigência de exames ao final de cada
curso, o governo FHC, através do Ministério da Educação, promove uma reforma tão
simples quanto extraordinária das universidades brasileiras: começa a transformá-las em
universidades competitivas.
A medida provisória que estabeleceu a exigência de exames finais
ministrados pelo MEC para a concessão de diplomas representa o início de uma reforma
decisiva do sistema universitário brasileiro, ao permitir que todas as escolas superiores
sejam avaliadas, e sua avaliação se torne do conhecimento de toda a sociedade. Os
formandos serão avaliados individualmente, mas a nota obtida não será condição para a
concessão do diploma, nem aparecerá no diploma. Só será registrada no histórico
escolar do aluno. O objetivo é secundariamente avaliar o aluno, que sempre poderá
repetir o exame, caso deseje melhorar seu histórico. O objetivo é avaliar a qualidade
dos cursos, e tornar pública essa avaliação, de forma a estabelecer uma sadia e
necessária competição entre os cursos superiores do país.
O melhor sistema de ensino superior do mundo é o norte-americano.
Não apenas porque das universidades norte-americanas saem a grande maioria dos prêmios
Nobel. Não apenas porque o nível de suas pesquisas e publicações é altíssimo. Mas
também porque os estudantes de todo mundo e suas famílias o reconhecem: o número de
alunos estrangeiros que estudam em universidade s americanas é impressionante. Muitos
recebem bolsas dos seus governos, mas um número maior ainda é sustentado por suas
famílias, que pagam as taxas e a e o custo da manutenção de seus filhos nos Estados
Unidos. Na verdade, o ensino universitário norte-americano é uma grande e bem sucedida
indústria de exportação do país.
São dois os segredos dessa alta qualidade do ensino superior nos
Estados Unidos. O primeiro segredo está na total autonomia financeira e a completa
flexibilidade administrativa das universidades, que são todas instituições públicas
não-estatais. Algumas são chamadas "privadas", quando suas finanças são em
parte baseadas em rendas patrimoniais; outras "estaduais", quando contam com
recursos orçamentários importantes dos estados da federação e oferecem taxas escolares
subsidiadas aos residentes do estado. Mas nenhuma é estatal, nenhuma conta com
funcionários públicos, nenhuma está sujeita aos rígidos regulamentos que caracterizam
a administração pública.
O segundo segredo, tão importante quanto o primeiro, é a
competição. As universidades norte-americanas, através dos seus departamentos, são
incrivelmente competitivas. É a competição entre elas, e não a exigência formal de
concursos que garantem a excelência do ensino e da pesquisa. De acordo com o princípio
básico de uma administração moderna, o controle se realiza não através da exigência
de processos rígidos, mas da avaliação dos resultados. Todos cursos são avaliados,
através de um sem-número de maneiras. São sempre avaliações externas e independentes.
E seus resultados são publicados nos jornais e nas principais revistas. Assim, as
famílias tomam conhecimento das avaliações e escolhem as escolas para as quais
enviarão seus filhos a partir desse conhecimento. Além disso, as fundações e o
próprio governo tomam conhecimento dessas avaliações, que influenciam suas decisões de
concessão de auxílios ao ensino e à pesquisas. Em conseqüência, as universidades são
levadas a uma competição permanente, buscando sempre ter os melhores professores e
pesquisadores em seus quadros, exigindo forte carga de trabalho de seus alunos.
No Brasil a idéia da competição interuniversitária é
praticamente desconhecida. Cada universidade estatal é um pequeno feudo, um monopólio
burocrático do saber, com um nível de ensino e pesquisa que muitas e muitas vezes deixa
a desejar. Todo o controle acadêmico está baseado exclusivamente na formalidade dos
concursos, que geralmente são meros ritos de passagem. Boa parte das escolas superiores
privadas são de nível baixíssimo. Nada contribuem para a pesquisa e oferecem um ensino
precário.
Com o exame final obrigatório, estabelecem-se as bases para uma
mudança de perspectiva no ensino superior. O Brasil, porém, não é os Estados Unidos.
Por isso, os concursos continuarão necessários. Por outro lado, como não é possível
contar com um sistema de avaliação externa informal disseminada (o única avaliação
disponível, aliás de excelente nível, é o da revista Play Boy), o governo
precisa promover a avaliação. Daí a magnífica idéia do exame final obrigatório.
As reações cartoriais e corporativas, entretanto, não se fizeram
esperar. Provenientes, inclusive, das boas universidades. Ninguém quer, na realidade, ser
avaliado externamente. Todos, é claro, se declaram solenemente favoráveis. Em seguida,
entretanto, começam os "mas". "Mas será que um exame final é um bom
método?" "Mas não seria melhor discutir mais?" "Mas não seria
melhor um projeto de lei ao invés de uma medida provisória, que tem um vezo
autoritário?" "Mas quem vai fazer o exame?" "Mas como fazer exame
final para disciplinas cujo currículo não é, nem pode ser, precisamente
definido?". "Mas...?" E há quem tenha o desplante de argumentar contra o
exame em nome da autonomia universitária!
Não há dúvida de que haverá dificuldades. Mas era urgente
intervir no sistema universitário brasileiro. Sem dúvida, as comissões de professores
que prepararão os exames terão que realizar exames suficientemente gerais para cobrir a
variedade necessária dos currículos. Não há dúvida que esta não será a única
avaliação a ser realizada. O Ministério da Educação tem insistido em lembrar que
haverá outras. A avaliação via exame, porém, é mais geral, pode ser colocada em vigor
em tempo relativamente curto, e exige lei para se tornar obrigatória.
Na verdade, o exame final obrigatório é um enorme passo no
sentido de uma universidade melhor para nossos filhos. Uma universidade que seja
competitiva, ao invés de cartorial. Uma universidade que busque a excelência
comparando-se com as demais. Que tenha seus próprios critérios internos de excelência,
mas que reconheça nas outras universidades competidores pelo prestígio acadêmico e pelo
apoio da sociedade a qual servem.
"Mas - e lá vem o último mas - de que adianta
para o aluno e sua família saber que a escola ou a universidade que cursou é ruim depois
de tê-la cursado? Não é melhor, evitar, antes, o mal?" É claro que seria. Mas o
controle a priori é ineficiente. A forma moderna de obter bons resultados é
garantindo liberdade às organizações e controlando a posteriori os resultados
alcançados, através da avaliação. O controle a priori - o controle dos
processos - esse sim é burocrático, autoritário, além de ineficiente. É a forma
generalizadamente adotada no Brasil do passado. Resulta no descontrole e no desperdício.
É um sistema de esconder ou disfarçar a incompetência e o mal desempenho, que é
incompatível com o Brasil novo que os brasileiros querem construir com Fernando Henrique
Cardoso.
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