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As Organizações Sociais
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Social
organizations are the third-sector's public non-state institutions
that are supposed to execute social and scientific studies financed by the State.
Folha de São
Paulo, 22/05/95
Um dos projetos mais importantes do governo Fernando Henrique é o
de garantir autonomia financeira e administrativa aos serviços sociais do Estado, ou
seja, a suas universidades, escolas técnicas, museus, hospitais e centros de pesquisa, de
forma que possam realizar com muito maior eficiência sua missão. Esse objetivo poderá
ser alcançado através da criação da figura jurídica das "organizações
sociais" e do programa de "publicitação", através do qual entidades
estatais serão transformadas em organizações públicas não-estatais.
Toda vez que vou a Nova York não deixo de visitar o Metropolitan
Museum of Art e o Museum of Modern Art. E sempre me impressiona como aqueles museus
vibram, como estão sempre cheios de gente, como são variadas as suas exposições
especiais, como são bons os posters que as anunciam, com são variadas e
mercadologicamente agressivas as suas lojas. Percebe-se, imediatamente, que aqueles são
museus totalmente voltados para a sociedade, da qual obtêm parte de suas receitas:
recebendo o valor das entradas, vendendo em suas lojas, fazendo campanha de fundos,
organizando clubes de sócios. Ao mesmo tempo que continuam, naturalmente, a receber
significativas contribuições do estado e da cidade de Nova York. Em contrapartida, não
posso esquecer ter tentado visitar um famoso brasileiro há alguns anos atrás, em um
domingo às 2 horas da tarde, e tê-lo encontrado burocrática e soberanamente fechado.
Museus, como universidades, centros de pesquisa, hospitais são
serviços sociais fundamentais. Asseguram aos cidadãos bens inestimáveis: a educação,
a saúde, a cultura, o desenvolvimento científico. São instituições tão importantes
que precisam do apoio do Estado para bem funcionarem. As "economias externas"
(economias que beneficiam a sociedade e as empresas, não podendo ser apropriadas
internamente pela organização que as produz) são muito significativas, de forma que
essas instituições não podem ser sujeitas simplesmente às leis clássicas do mercado.
É impensável que uma grande universidade, um importante centro de pesquisa, um hospital
de primeira linha, um museu digno desse nome possam ser financiado exclusivamente pela
cobrança dos serviços que prestam.
Não há razão, porém, para que sejam incluídas no núcleo
burocrático do Estado, como ocorre no Brasil. Nesse núcleo estão o poder judiciário e
o poder legislativo, e os órgãos de arrecadação de impostos, de manutenção da ordem
e de definição de políticas públicas, sediados no poder executivo. Seu papel essencial
é permitir o funcionamento do mercado através da garantia dos direitos de propriedade. O
critério de êxito administrativo nesta área é a correção ou adequação das normas e
efetividade das decisões tomadas.
O Estado moderno, além do seu núcleo burocrático, possui um sem
número de serviços, que são apoiados pelo Estado por duas razões: porque os gastos com
educação, saúde, cultura e ciência corrigem a distribuição de renda desigual
proporcionada pelo mercado, e porque promovem o aumento de um fator cheio de economias
externas - o capital humano - o elemento fundamental do desenvolvimento econômico. Nesta
área o essencial não é a adequação e efetividade das normas, mas eficiência dos
serviços prestados. Ou seja, os serviços devem ter maior qualidade ao mesmo custo.
Para serem seguras, adequadas e efetivas, as decisões tomadas no
núcleo duro do Estado precisam seguir procedimentos relativamente rígidos. É por isso
que a administração burocrática, baseada em controles formais de processos
administrativos, continua indicada, apesar da ineficiência inerente a esse tipo de
administração. Em contrapartida, para serem eficientes, de boa qualidade e de custo
relativamente baixo, a administração dos serviços sociais precisa ser descentralizada,
livre de procedimentos rígidos, orientada para resultados e, sempre que possível,
submetida à competição.
Os norte-americanos compreenderam muito cedo isto. Por isso seus
museus, suas universidades, e seus melhores hospitais têm o apoio do Estado, mas são
complemente independentes, de tal forma autônomos financeira e administrativamente que,
na realidade, mesmo no caso das "universidades estaduais", não fazem parte do
Estado: são organizações públicas não estatais.
Ao adotarem essa estratégia os norte-americanos compreenderam que
nas sociedades capitalistas contemporâneas as formas de propriedade relevantes não são
apenas a privada e a estatal. Entre as duas existe a propriedade pública não-estatal,
que caracteriza as organizações sem fins lucrativos. Este tipo de organização, desde
que garantido seu caráter efetivamente público, é o mais apropriado para a execução
dos serviços sociais.
No Brasil houve tentativas no passado de se assegurar autonomia aos
serviços sociais através das figuras jurídicas das autarquias e das fundações
públicas. Desta forma os serviços sociais ainda ficavam dentro do aparelho do Estado,
mas fora do seu núcleo, fora da administração direta. Entretanto, estas tentativas de
implantação de uma administração gerencial ao invés de burocrática fracassaram, na
medida em que o núcleo burocrático logrou, aos poucos voltar a rescentralizar todo
sistema. Agora, com o projeto das "organizações sociais", será possível
descentralizar novamente, mas de forma mais firme e irretratável.
Através de um projeto de lei cuja elaboração está sendo
terminada, definiremos como organizações sociais as organizações públicas
não-estatais que obtenham autorização legislativa para celebrar um contrato de gestão
com o poder executivo. Estas organizações serão dirigidas por um conselho curador, que
terá participação minoritária de membros do governo. Receberão recursos
orçamentários ao mesmo tempo que poderão obter recursos adicionais na sociedade.
Aprovado este projeto de lei o governo estará em condições de
implementar um projeto de "publicização", através do qual os serviços
sociais do governo federal que o desejarem e obtiverem a aprovação do respectivo
ministro, poderão ser transformadas em organizações sociais. A instituição
transformada, regida pelo direito privado, receberá em cessão o patrimônio e os
funcionários da entidade original. Manterá, também, o mesmo nível de recursos
orçamentários que o governo vem lhe alocando, de forma que todos os recursos adicionais
que venha receber poderão ser utilizados livremente, para contratar novos funcionários,
para complementar salários.
Através dessa estratégia administrativa descentralizadora,
estaremos concedendo autonomia aos serviços sociais fundamentais da sociedade. Com isto
será possível liberar esses serviços da rigidez burocrática que hoje os domina. E
estaremos possibilitando uma parceria muito mais efetiva entre sociedade e Estado. O
resultado serão serviços de educação, saúde e cultura orientados para a cidadania.
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