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Previdência e Privilégios


Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Globo, 06/02/96

No debate sobre a emenda da Previdência um fato vai aos poucos ficando claro: a dificuldade não está nos trabalhadores pobres segurados pelo INSS, que recebem aposentadorias modestas, razoavelmente proporcionais à sua contribuição, e se aposentam tardiamente, mas nos funcionários públicos segurados pelo Estado, que se aposentam com proventos elevados, sem nenhuma proporção com o que contribuíram, e de forma precoce - uma precocidade que, no caso dos professores universitários beneficiados por uma aposentadoria especial, chega às raias do absurdo.
Os partidos que estão se opondo à emenda, embora afirmem que estão defendendo os pobres, estão na verdade defendendo corporativamente a classe média de servidores públicos, que no Brasil conta com o mais generoso sistema previdenciário de que tenho conhecimento - provavelmente o mais generoso do mundo. Enquanto nos demais países a data de aposentadoria é 60 ou, mais freqüentemente 65 anos, aqui é em média, 53, subindo para 56 anos quando não se consideram as aposentadorias proporcionais, em que o funcionário se aposenta antes de completar o número de anos exigido; e há muitos casos de aposentadorias de funcionários com cerca de 40 anos. Enquanto nos demais países a porcentagem com que o funcionário se aposenta em relação a seu último salário varia de 50 a 75 por cento, aqui é de 120 por cento! No discurso dos políticos oposicionistas e dos líderes sindicais corporativos contrários à proposta de emenda constitucional do governo, entretanto, esses privilégios são esquecidos. O que ouvimos são discursos inflamados em defesa dos trabalhadores pobres do setor privado - trabalhadores que sem dúvida merecem proteção, mas que não estão sendo ameaçados: os trabalhadores rurais, que são os mais pobres, aposentam-se em média aos 63 anos com um salário mínimo. Os trabalhadores urbanos aposentam-se um pouco mais cedo, e com uma aposentadoria maior, mas muito distante das aposentadorias do setor público. Na verdade, o privilégio dos servidores públicos está se escondendo atrás das limitações de recursos que impedem maiores salários e maiores aposentadorias no setor privado.
O quadro abaixo dá uma idéia do privilégio representado pelo atual sistema de aposentadorias do setor público quando comparado com o do setor privado. O valor das aposentadorias dos funcionários do Legislativo é 21,7 vezes maior do que a aposentadoria dos beneficiários do INSS. No caso do Judiciário, 20,4 vezes, e do Executivo, 8,25 vezes. Como o número de funcionários dos dois primeiros poderes é pequeno, a média geral deve estar ainda na casa das 8 vezes. É certo que desde 1993 os servidores vêm contribuindo para seu sistema de previdência. Em média, contribuem com 11 por cento do seu salário, sem limite de remuneração, enquanto que no caso do INSS a contribuição e o benefício estão limitados a 10 salários mínimos. Por isso, os servidores contribuem, em média, com mais do que os trabalhadores do setor privado. Os cálculos realizados, entretanto, mostram que sua contribuição média é apenas 3,4 vezes maior do que a contribuição média para o INSS, enquanto que o benefício é 8 vezes maior.

Aposentadorias Médias União/INSS
Em salários mínimos Vezes

i

INSS

1.7

1.0
Executivo (civis)

14.0

8.25
Legislativo

36.8

21.7
Judiciário

34.7

20,4

Além do problema do privilégio, há o problema fiscal. Os inativos e pensionistas já representam 43 por cento da folha total de pagamento dos servidores da União. Como essa folha foi de 39 bilhões de reais em 1995, temos um gasto de 17,5 bilhões de reais com inativos e pensionistas da União, correspondendo a 15,5 % do orçamento da União em 1995. Por outro lado, voltando à comparação com os trabalhadores do setor privado. Enquanto o custo do INSS com benefícios foi cerca de 34 bilhões de reais, para atender 16 milhões de beneficiários; o custo na União foi aproximadamente a metade desse valor para atender 760 mil beneficiários (os pensionistas foram divididos por dois para se chegar a esse número). A diferença é impressionante.
Diante dessa situação, torna-se urgente reformar a Constituição, terminando com o direito à aposentadoria integral dos servidores sem qualquer relação com a sua contribuição, e terminando com aposentadorias especiais, particularmente a dos professores universitários, a qual não tem nenhuma razão de ser. Os bons professores na verdade lutam para que a aposentadoria compulsória seja aumentada de 70 para 75 anos, porque a maioria deles ainda está em perfeitas condições de dar aulas nessa idade. Não obstante, o corporativismo universitário representado pela ANDES não hesita em se comparar com professores de primeiro grau e a exigir uma condição que para eles pode ser justificável, mas para professores universitários, que têm condições de trabalho inteiramente diferentes, constitui mero privilégio. Não hesita apesar de um número crescente de professores universitários estarem se manifestando com indignação contra essa posição de sua associação de classe.
Tudo isso explica porque um líder autêntico, como é Vicentinho, faz um acordo com o governo, e depois se vê forçado por seus correligionários de central sindical e de partido a rever parcialmente o acordo. Não tenhamos dúvida alguma do sentido dos fatos. O que estamos vendo é uma central sindical, que teve um papel histórico na restauração da democracia e na defesa dos direitos dos trabalhadores brasileiros, ser crescentemente controlada por sindicatos do setor público que defendem interesses que não representam os interesses reais dos trabalhadores brasileiros, muito menos dos trabalhadores pobres do setor privado, que constituem a grande maioria.
Na medida, entretanto, em que esses fatos são denunciados à opinião público, os lideres sindicais representativos desses trabalhadores pobres terão mais liberdade em defender seus reais interesses.