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Controle Municipal da Saúde

Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Globo, 21/08/96

O aumento dos recursos para a saúde pública proporcionado pela aprovação do CPMF, ao permitir um pagamento mais adequado as serviços de saúde, viabilizará a implantação de um novo sistema de controle administrativo e financeiro do Sistema Único de Saúde (SUS) baseado no controle municipal e na competição administrada entre os fornecedores de desses serviços. Em conseqüência teremos uma melhoria considerável dos serviços de saúde prestados à população.
O novo sistema implica na efetiva municipalização da saúde pública através do fortalecimento do sistema de atendimento básico municipal e da transferência para os municípios do controle orçamentário dos serviços prestados. Para isto, a estratégia consiste em distribuir aos municípios os recursos da União disponíveis para a saúde na proporção do seu número de habitantes, ao invés de distribuí-los na proporção dos hospitais e ambulatórios existentes no município, como ainda hoje dominantemente ocorre. Será assim possível à autoridade de saúde local e a seu respectivo conselho municipal de saúde assumir a responsabilidade da saúde de seus munícipes.
Os pressupostos da reforma administrativa do SUS são os seguintes: (a) a oferta de leitos hospitalares é hoje maior do que a demanda; (b) esta oferta é constituída principalmente de hospitais particulares e filantrópicos e minoritariamente de hospitais estatais; (c) o controle municipal desses fornecedores de serviços de saúde é muito mais efetivo do que o controle federal. Existem hoje no país cerca de 25 mil leitos hospitalares, mas os internamentos estão em torno de 13 mil.
A velha estratégia de montar planejadamente um sistema de oferta de serviços hospitalares e ambulatoriais hierarquizado e regionalizado jamais funcionou. As tentativas foram muitas, mas, seja pela falta de recursos do Estado, seja pela rigidez e ineficiência da administração estatal direta de serviços sociais, esta alternativa centralizadora não logrou ser implantada no Brasil. Em seu lugar surgiu um sistema caótico de oferta de serviços de saúde por entidades privadas e públicas não-estatais.
Diante deste fato a nova idéia é a de concentrar os esforços do governo no financiamento e no controle desses serviços ao invés do seu oferecimento direto pelo Estado. A organização da oferta deverá ser realizada subsidiariamente naqueles locais onde existe deficiência de equipamentos hospitalares e ambulatoriais. O Ministro Jatene sempre observa que as áreas carentes tanto podem estar nas regiões mais pobres do país, onde o governo federal apoia os municípios para a formação de consórcios para o oferecimento de serviços de saúde, como nas áreas periféricas das grandes cidades.
O objetivo é sempre montar um sistema hierarquizado e regionalizado, mas as ações pelo lado da oferta serão pontuais e complementares. A existência de um sistema dessa natureza no país será garantida principalmente pelo controle e a contratação dos serviços já existentes, que tanto poderão ser realizados por hospitais estatais, como por públicos não-estatais e privados.
As idéias-força do novo sistema são: (1) tetos físicos e financeiros de gastos em saúde (AIHs) distribuídos de acordo com a população do município e não com os hospitais existentes, após ampla negociação entre a União, os estados e os municípios; (2) maior responsabilização dos prefeitos e governadores pela saúde; (3) prioridade para a medicina sanitária e preventiva; (4) municipalização do controle dos hospitais, desde o seu credenciamento, até a aprovação das contas; (5) prioridade na capacitação das prefeituras para desenvolver seu sistemas básicos de atendimento básico, que serão a porta de entrada para os hospitais e ambulatórios especializados; (6) entrega do Cartão Municipal de Saúde para cada cidadão.
Como no novo sistema as AIHs (autorizações de internação hospitalar) serão distribuídas de acordo com a população do município e sua história sanitária desaparece definitivamente o antigo sistema segundo o qual os hospitais recebiam diretamente do Ministério da Saúde as quotas de AIHs. Era a raposa dentro do galinheiro. Agora cada município terá um fundo de saúde, que será efetivo se o município estiver em "regime semi-pleno", ou será virtual, se os pagamentos continuarem a ser realizados pelo Ministério da Saúde a partir da autorização do município. Hoje 113 municípios já estão em administração semi-plena. A perspectiva é de que em pouco tempo mais de dois mil municípios possam ser incluídos no novo sistema.
Por outro lado as Prefeituras e seus Conselhos Municipais de Saúde terão responsabilidade de administrar os recursos, seja credenciando os hospitais e ambulatórios que melhores serviços prestarem, seja responsabilizando-se, através de seu sistema de atendimento básico (postos de saúde e médicos familiares) pelo encaminhamento dos pacientes aos hospitais. O resultado dessas duas tarefas atribuídas aos municípios será um controle muito melhor sobre os hospitais, inclusive os hospitais estatais, que terão que competir e demonstrar competência para obter as AIHs.
Os opositores desse tipo de reforma são aqueles hospitais particulares ou pretendidamente filantrópicos que fraudam o SUS. Uma experiência pessoal que tive nesse sentido foi a audiência que concedi há alguns meses, ao Sr. Mansur José Mansur, presidente da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro, que veio a meu gabinete para manifestar sua oposição ao controle municipal que o Ministério da Saúde está planejando. Usou como argumento que o sistema, para ser racional, "deve ser hierarquizado e regionalizado a partir de Brasília..." Diante da minha discordância radical esse senhor, que depois eu viria a saber ser o proprietário do Asilo Santa Genoveva, retirou-se manifestando a meus assessores sua decepção pela falta de apoio do ministro a tão nobres idéias.
Do ponto de vista político, o novo sistema de controle municipal do SUS, ao permitir a efetiva responsabilização de cada prefeito e de cada secretário estadual, permitirá uma parceria maior entre o governo federal e os governos estaduais e municipais no financiamento da saúde.
Para melhorar os serviços sociais do Estado brasileiro os recursos são sem dúvida escassos, mas mais escassa ainda é a capacidade administrativa de geri-los. Quando esta capacidade melhora, seja porque é dada maior autonomia aos administradores hospitalares, seja porque os sistema de controle é aperfeiçoado, envolvendo um efetivo controle social por parte da comunidade, temos um extraordinário aumento na qualidade dos serviços prestados. No caso dos hospitais estatais o aumento da autonomia dos seus administradores só será viável através do projeto que prevê sua transformação em organizações públicas não-estatais (organizações sociais). O aperfeiçoamento do sistema de controle municipal é aquele que acabei de descrever. Ambos os projetos estão avançando firmemente no Ministério da Saúde.