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Abrindo os Olhos
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de São
Paulo, 16/09/96
Teve início um processo de reversão de tendência em relação as
eleições para a prefeitura de São Paulo. Celso parou de crescer e já está claro seu
declínio nas preferências eleitorais, enquanto que o candidato com maior substância
pessoal e partidária, José Serra, entra em um claro percurso de recuperação. No
momento em que escrevi este artigo, encontrava-se ainda em terceiro lugar, mas dada
também a contínua queda de Erundina, as tendências das pesquisas apontavam para que
venha a emergir no segundo turno com excelentes chances de vitória.
Qual a razão para isto? Por que perdeu força a idéia de que
"Pitta poderia ganhar no primeiro turno"? E porque sobe Serra? Essencialmente,
porque os eleitores estão abrindo os olhos.
As eleições para os cargos executivos são ganhas pelo candidato
que tem algo de concreto a oferecer aos eleitores. O eleitor busca fazer um cálculo
racional - verificar qual dos candidatos lhe traz maior retorno. Um retorno que ele tenta
medir de muitas maneiras: que obras o candidato realizará, que ênfase dará aos
serviços sociais, que moralidade administrativa garantirá, que grupos privilegiará. O
aspecto ideológico entra neste último ponto. Privilegiará os ricos ou os pobres?
Defenderá a classe média empresarial ou a classe media assalariada?
Se o eleitor busca fazer um cálculo racional, muitos dos
candidatos procuram, desesperadamente, confundi-lo, desinformá-lo. O candidato de
direita, afirma que defenderá os pobres. O corrupto, que é honesto. O populista, que é
austero. O candidato do corporativismo burocrático, que defende o interesse geral. Às
vezes essas mentiras pegam, mas cada vez menos, na medida em que os eleitores vão sendo
melhor informados.
No Brasil existe uma instituição extraordinariamente democrática
- o horário gratuito na televisão e no radio. Ali é possível dizer muitas inverdades,
mas é impossível evitar que as críticas honestas sejam apresentadas. E através delas o
eleitor tem uma oportunidade única de ser melhor informado.
A tentativa dos candidatos de direita, por exemplo, de esconder seu
elitismo, tem pernas curtas. Eles estão sempre fazendo essa tentativa. Assisti a uma cena
explícita dessa natureza há alguns dias, quando liguei a CNN e vi o candidato
republicano, Bob Dole, em um discurso, afirmar que ele e seu partido eram mais a favor dos
direitos sociais do que seu opositor, esquecendo-se como por milagre do ataque violento e
direto que os republicanos têm realizado contra esses direitos nos Estados Unidos nestes
últimos anos. Em São Paulo, é o mesmo fenômeno que está ocorrendo. Paulo Maluf, com
os projetos Singapura e PAS, pretende ter-se transformado no "defensor dos
pobres". Pobres que realmente necessitam dramaticamente de defesa no Brasil. Mas seu
discurso é cada vez mais frágil.
Aos poucos vai ficando claro que o projeto Singapura está muito
mais no papel do que na realidade. O número de residências construídas é ridículo
dadas não apenas as necessidades existentes, mas também as possibilidades que a
Prefeitura teria de construir, se estivesse, de fato, comprometida com a habitação
popular. Quanto ao PAS, já está claro que se trata de uma privatização
("cooperativização" da coisa pública). A Prefeitura está gastando uma enorme
soma de dinheiro para pagar médicos que prestam um serviço limitado aos cidadãos. A
obrigação constitucional de garantir saúde não está sendo nem pode ser atendida por
um sistema que transforma esse atendimento em lucro privado. Enquanto o governo federal,
através de um amplo processo de reestruturação do Sistema Único de Saúde,
descentralizando autoridade e responsabilidade, abre caminho para uma solução geral para
o problema, o prefeito Paulo Maluf enveredou por uma solução cara e falsa, sem qualquer
possibilidade de ser generalizada para a cidade toda, de garantir a todos os cidadãos de
São Paulo um atendimento de saúde digno.
Na verdade, a continuidade representada pelo candidato Pitta é a
continuidade do elitismo, da concentração de renda, do favorecimento dos ricos, quando
sabemos que a condição essencial para o Brasil caminhar em direção à modernidade é a
de encontrar meios de distribuir melhor a renda. O que o prefeito Paulo Maluf realmente
fez em grande quantidade foram obras, mas que obras? Túneis e avenidas caríssimos, que
atendem aos ricos, aos possuidores de automóveis, ao invés de investir no transporte
coletivo, que é essencial para os pobres. Não há nada mais elitista do que isto. Gastar
o dinheiro do contribuinte para concentrar renda!
Mas além de elitista, essa política de grandes obras é
financeiramente desastrosa para o país: é prática explícita de déficit público - o
grande mal que produziu a grande inflação no Brasil. Déficit público é aumento da
dívida pública, é gastar mais do que se arrecada e financiar o déficit com
endividamento. Foi o que fez Paulo Maluf nestes últimos quatro anos. Em 31 de dezembro de
1992 a dívida pública da Prefeitura de São Paulo era de 2,2 bilhões de reais; três
anos depois, era de 5,2 bilhões; no final deste ano deverá estar próxima de 7 bilhões
de reais. Triplicou, portanto, em quatro anos! Isto é déficit público, isto é
irresponsabilidade financeira, isto é tentar desestabilizar a grande conquista que foi o
Plano Real, isto é puro populismo econômico. Em 1995 a Prefeitura gastou em obras mais
do que o Ministério dos Transportes em todo o Brasil! Afinal os paulistanos terão que
pagar por isto.
Estes fatos vão aos poucos ficando claros para a população de
São Paulo, ao mesmo tempo que José Serra, com sua campanha clara o objetiva, faz
propostas viáveis e necessárias para cidade. Mas, mais do que isto, Serra apresenta uma
garantia: a garantia de seu passado político, de sua competência técnica, de sua visão
ampla dos problemas, de sua honestidade absoluta, de seu compromisso com uma
distribuição de renda mais eqüitativa no país.
Políticos não se constróem de um dia para outro. O que se faz de
um dia para outro são promessas, são clones, são bolhas de sabão. Por outro lado,
continuidade administrativa só é bom argumento se o governo tiver sido realmente bom, se
sua continuidade representar um bom investimento para o eleitor. Ora, está ficando cada
vez mais claro que nem Pitta nem a continuidade administrativa rendem dividendos públicos
para o povo de São Paulo. Por isso não é difícil entender sua queda, enquanto que
Serra sobe nas pesquisas eleitorais.
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