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Reforma e Convicção
Luiz Carlos Bresser-Pereira
O Estado de São
Paulo, 22/01/97
A reforma do Estado é o projeto fundamental do governo federal.
Reformar o Estado significa torná-lo mais democrático, limitado às funções que lhe
são próprias de garantidor da propriedade e dos contratos, de guardião da estabilidade
monetária e da capacidade competitiva internacional do País, de financiador parcial
(não de executor) dos serviços sociais e de pesquisa científica e tecnológica.
Reformar o Estado importa em torná-lo legítimo do ponto de vista democrático, mais
sadio do ponto fiscal, eficiente e efetivo do ponto de vista administrativo. Em síntese,
mais forte porque dotado de governabilidade e governança.
Quando o governo propõe a reforma administrativa, a reforma da
previdência, a reforma tributária, quando privatiza e faz o ajuste fiscal, quando
estimula os municípios a gastarem mais em educação primária, quando promove a
municipalização do atendimento básico de saúde, quando transforma os serviços sociais
do Estado em entidades públicas não estatais deixando de ser seu executor direto, quando
fortalece o núcleo estratégico do Estado através da retomada regular de concursos paras
as carreiras exclusivas de Estado, quando desburocratiza e torna mais voltada para o
cidadão a máquina estatal, quando estabelece padrões de probidade e espírito público
na administração do Estado, o governo Fernando Henrique está empenhado na reforma do
Estado. Diante disto, duas perguntas surgem naturalmente: será que a impressionante
popularidade do Presidente tem a ver com esta missão? E, segundo, por que, então, as
reformas constitucionais andam tão devagar?
Estas duas questões podem ser respondidas com dois argumentos
muito diferentes, embora complementares: um relacionado com a teoria do Direito, o outro,
com a "hipótese da desinformação pública".
Um aspecto fundamental da reforma do Estado está na reforma da
Constituição e das leis do País. Ora, sabemos que pela teoria do Direito, a força ou
efetividade das leis depende da sua consonância com as demandas e necessidades que a
sociedade vai consensualmente estabelecendo. A lei não tem força simplesmente porque é
"positiva", isto é, editada formalmente pelo Estado. Nem porque está de acordo
com um teórico direito natural, com uma moral superior e absoluta que presidiria os atos
humanos. Ela tem força real porque, e quando, está baseada em um razoável consenso
social.
Quando o Presidente propõe reformas constitucionais ele está
procurando essa consonância. Ele está dizendo que em alguns aspectos importantes a
Constituição de 1988 não está em harmonia com as demandas e necessidades da Nação
brasileira. Quando seus índices de aprovação popular aumentam sem parar, esta é uma
indicação clara de que suas propostas e todo o seu desempenho e postura no governo
contam com o apoio da sociedade.
E, todavia, as reformas andam mais devagar do que seria razoável,
quando temos um Congresso que é mais representativo da sociedade brasileira do que
geralmente se acredita. Podemos responder imediatamente que isto ocorre porque as reformas
ferem interesses poderosos. Embora seja também verdade, a hipótese da desinformação
sugere que há uma outra explicação: muitos dos grupos que se imaginam atingidos
realmente não o são; as reformas são um jogo de soma maior do que zero, em que poucos
perdem e a grande maioria ganha.
Dou dois exemplos deste fato: a reforma da previdência e a reforma
administrativa. No caso da primeira, houve inicialmente uma reação contrária, embora,
de fato, ela só atingisse uma minoria de funcionários que detém o privilégio de se
aposentar precocemente e sem nenhuma proporção com as contribuições que realizou.
Quando este fato começou a ficar claro os grupos corporativos já tinham prejudicado a
reforma de maneira muito grave.
No caso da reforma constitucional da administração pública este
mal foi em grande parte evitado. Graças a uma proposta de reforma muito clara, que não
deixava nada em aberto, e a uma ampla discussão do tema, foi afinal se constituindo um
consenso quanto à necessidade de eliminar o regime jurídico único, flexibilizar a
estabilidade sem terminá-la, estabelecer tetos salariais para os funcionários, permitir
uma administração pública mais descentralizada e responsável.
Entretanto, quando se trata de tomar medidas do dia a dia, que
independem da reforma constitucional, para modernizar e reduzir custos abusivos da
administração pública, a resistência dos servidores continua enorme. O ministro é
visto como "o carrasco dos servidores", quando seu objetivo é exatamente o
oposto: valorizá-los, eliminando os privilégios e os excessos de quadros. Mas nesse
momento a desinformação transforma-se na principal arma dos grupos corporativos. E não
resta ao ministro senão a sua própria convicção. Uma convicção profunda, primeiro,
de que estão voltadas para o interesse público, estão em consonância com as demandas e
necessidades da Nação, e, segundo, de que suas propostas e ações valorizam os bons
servidores, que são a peça essencial da reforma do Estado proposta pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, cujo respaldo pela Nação é hoje o grande fato político e social, que
abre perspectivas de futuro para o País.
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