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Reeleição e Centro Político

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Jornal do Brasil,
04/02/97

A emenda constitucional da reeleição foi e está sendo dominada pela figura de Fernando Henrique Cardoso. Por mais que se apresentem argumentos impessoais a favor e contra a reeleição, e não obstante o fato de se estar assegurando esse direito de forma ampla a governadores e prefeitos, grande parte do debate concentra-se no Presidente da República. E parte sempre do pressuposto de que, uma vez lhe seja garantido o direito constitucional, sua reeleição estará assegurada, dados seus altos índices de popularidade e o maciço apoio recebido das elites.
Por que tamanho apoio? As qualidades pessoais de Fernando Henrique podem nos ajudar a entender o fenômeno, mas é necessário explicá-lo de forma mais geral. Nas democracias contemporâneas um partido ou uma coalizão de partidos ganha as eleições, assume o poder político, e o conserva, na medida em que ocupa o centro político. Quando isto acontece o governo resultante se transforma em um vetor social e político, logrando cristalizar as aspirações majoritárias da população e da sociedade civil organizada.
O centro político é o objeto de disputa permanente da esquerda e da direita. Para ele convergem, nos regimes democráticos, as propostas dos partidos de uma e outra tendência, já que seus líderes sabem que a esquerda e a direita radicais são prisioneiras de seus respectivos partidos. O campo flutuante é o do centro, que, quando conquistado, define um pacto político hegemônico.
Nas eleições de 1994 Fernando Henrique Cardoso liderou um pacto político dessa natureza, depois de um longo período de crise de legitimidade dos governos brasileiros. Para ocupar o centro político do País, o Plano Real foi fundamental. Mas o caráter social-liberal de seu próprio partido - o PSDB - já continha em si próprio o germe do pacto que, em seguida, a aliança com o PFL consolidaria.
O PSDB se afirma um partido social-democrático moderno e ético. Esta é uma forma correta de defini-lo, porque ninguém no partido tem qualquer dúvida sobre a importância do Estado na área social, do meio ambiente e da ciência e tecnologia. Mas, na medida em que seus líderes estão convencidos da necessidade de coordenação - principalmente pelo mercado - da economia, é também um partido liberal. Na verdade, é um partido social-liberal, como demonstra a confiança que as elites empresarias nele depositam.
O PFL é também um partido social-liberal. Sem dúvida mais à direita do PSDB; mas não tão mais à direita. Se em termos regionais e de origem de seus líderes os dois partidos são muito diferentes, hoje, em termos ideológicos são mais parecidos do que seus partidários estão dispostos a admitir. Fernando Henrique compreendeu com clareza esta semelhança quando firmou o acordo entre os dois partidos. Depois, eleito, obteve o apoio das áreas social-liberais do PMDB e do PPB, e com isto conquistou ampla maioria.
A emenda da reeleição só pode ser compreendida nos quadros desse grande pacto político social-liberal. Através desse pacto o Estado ganhou governabilidade, e o governo eleito, legitimidade, na medida em que obtinha o apoio da sociedade e ocupava o centro político. Quando um crítico afirma que "o governo FHC não tem uma agenda para o Brasil, mas para uma ficção produzida na cabeça de meia dúzia de economistas e de uma elite que tenta ordenar o mundo de acordo com dogmas que alguns insistem em chamar de neoliberal", ele está violentando o significado do apoio popular e social de que o governo dispõe, por haver logrado se identificar com as crenças dominantes no País.
Na verdade, o social-liberalismo é a ideologia que melhor define o centro moderno hoje no Brasil. Uma recente pesquisa coordenada por Walder de Góes, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, tendo como universo os formadores de opinião brasileiros (políticos, jornalistas, empresários, administradores públicos, intelectuais, líderes sindicais, líderes associativos), deixou este fato muito claro. Por exemplo, a idéia neoliberal, de direita, de que o Estado deve ser mínimo, contou com apenas 15 por cento de apoio. Por outro lado, a idéia da esquerda burocrática de que o Estado deve ser produtor de bens, foi adotada por apenas 7 por cento dos entrevistados. Em contrapartida, a idéia de que "o Estado não deve produzir bens, mas estimular os investimentos produtivos e estabelecer um sistema regulatório capaz de atender aos interesses dos consumidores e produtores", foi apoiada por 74 por cento dos formadores de opinião.
O social-liberalismo não é uma ideologia estatista e populista, mas social; não é neoliberal e conservadora, mas é liberal. Afirma o papel estratégico do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e social, mas tem claro para si que a produção de bens e serviços deve caber às empresas privadas, coordenadas fundamentalmente pelo mercado. Acredita na possibilidade de interesses comuns entre as classes sociais, mas reconhece os conflitos e procura intermediá-los. Não é nacionalista e sabe que existem muitos interesses comuns entre os países, mas tem a clara noção da importância da defesa do interesse nacional nas arenas internacionais.
Fernando Henrique Cardoso conseguiu formar e liderar um pacto político em torno dessas idéias. E a partir de princípios éticos rigorosos. Daí o apoio generalizado que recebe no País. Por outro lado, foi capaz de projetar a nível internacional uma imagem de estadista, com visão ampla dos problemas internacionais. Tornou-se um dos mais importantes líderes políticos do mundo e isto o fortaleceu ainda mais junto aos brasileiros. Não é surpreendente, portanto, que veja aprovada a tese da reeleição. E veremos que, apesar do peso que ainda têm o patrimonialismo e o corporativismo, concentrados respectivamente na velha direita oligárquica e autoritária e na velha esquerda burocrática, que lhe fazem oposição, as reformas que está propondo serão afinal aprovadas pelo parlamento.