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A Batalha da Reforma


Luiz Carlos Bresser-Pereira


O Estado de São Paulo
, 17/05/97
Jornal do Brasil, 14/05/97 
Folha de São Paulo, 14/05/97

A votação da reforma administrativa tem sido uma grande e conturbada batalha. Não era para menos: quando privilégios são postos em riscos, quando preconceitos são enfrentados, quando arcaísmos burocráticos recusam-se a desaparecer, quando interesses são feridos, as resistências são sempre fortíssimas. Nestas circunstâncias a perturbação do debate por fatores estranhos e irracionais é inevitável. Entretanto, o apoio da opinião pública à reforma é tão forte, e a determinação do Presidente, dos governadores e dos prefeitos, que ocupam o poder executivo, tão decidida, que estou seguro quando a sua aprovação.
A irracionalidade do debate é impressionante. Um dia destes um ilustre jurista, especializado em direito administrativo, afirmava com todas as letras, em um debate público, que a reforma administrativa acabava com a estabilidade, permitindo a demissão de servidores sem motivação nem explicação. Que é isto companheiro? Voltamos à época dos radicalismos, em que uma inverdade contrabalança a outra? Em que o "common ground", o campo comum de entendimento, que é essencial para o funcionamento das democracias, está excluído? A reforma administrativa mantém a estabilidade do servidor explicitamente. Adiciona às causas de demissão por falta grave, a insuficiência de desempenho, mas esta terá que ser baseada em avaliação de desempenho, garantida ampla defesa ao interessado. E permite o desligamento de funcionários estáveis de acordo com critérios objetivos, impessoais, para garantir o cumprimento do dispositivo constitucional que limita a 60 por cento o gasto com pessoal em relação à receita.
É preciso, entretanto, no meio desse tiroteio, não perder de vista a importância da reforma para o país e para os administradores públicos. Terminar com o regime jurídico único, estabelecer condições que permitam a demissão de funcionários desinteressados e incompetentes, impedir que os gastos com pessoal tomem todo o orçamento público, estabelecer teto para os salários e proibir a incorporação de vantagens transitórias na remuneração permanente, exigir que projeto de lei com possibilidade de veto para qualquer aumento de remuneração em qualquer um dos três poderes (ainda na semana passada um Tribunal de Justiça de estado do Nordeste estava se auto-concedendo um modesto aumento de 51 por cento) são medidas essenciais para a moralização do serviço público, para a valorização do serviço público - cujos representantes mais qualificados aprovam a reforma, conforme as pesquisas de opinião têm demonstrado -, e são uma condição para a reforma e a reconstrução do Estado brasileiro.
A irracionalidade da oposição em relação a esta matéria, entretanto, chega às raias do absurdo. Seus representantes transformaram a estabilidade em um tabu que não pode ser mexido, embora concordem que era necessário demitir por insuficiência de desempenho (isto pode ser feito por lei ordinária, dizem eles, como se esse fosse um argumento e não uma desculpa). Têm a coragem de lutar pela manutenção do regime único que só tem causado prejuízos ao Estado e à população brasileira, na medida em que violenta o mercado de trabalho ao permitir que servidores com funções idênticas às existentes no setor privado tenham remunerações muito mais elevadas.
O mais grave, entretanto, é que os partidos da oposição, encabeçados pelo PT, fecham questão. Não permitem que seus deputados pensem. Dessa forma ignoram as duas características fundamentais das democracias: o diálogo e a tolerância. Quando tentei debater com a bancada do PT na Câmara Federal recebi um "não" repetido. E agora, autoritariamente, o partido diz a seus deputados que é preciso votar contra, ignorando, conforme ensina Renato Janine Ribeiro em um artigo recente no O Estado de S.Paulo (10.5), que "num regime democrático não há nem mal nem bem se opondo, mas sim distintas forças se opondo, todas elas legítimas, sejam do capital ou do trabalho, privatizantes ou estatizantes. Daí que a resultante final seja ‘o bem’, coisa que, desde que cessou o primado religioso sobre a ação humana, ninguém sabe em que consiste, mas um equilíbrio em que entram as pressões sofridas e a habilidade do estadista em lidar com elas".
Que as forças se oponham, portanto, mas de forma democrática, de forma tolerante, aberta ao diálogo. Que não haja fechamento de questões, mas o debate sério dos temas - debate ao qual a oposição, nesta matéria, se negou desde o primeiro momento - mas que foi aceito pela sociedade. Tanto assim que, a partir desse debate foi possível aperfeiçoar a proposta de reforma, fazê-la responder às reais necessidades do país.
Por isso, porque se trata de uma reforma afinada com as necessidades reais da sociedade brasileira, a reforma administrativa será afinal aprovada pelo Congresso. E será aprovada de uma maneira muito semelhante àquela que o governo propôs inicialmente. Na medida em que a reforma proposta caracterizou-se pela razoabilidade, na medida em que foi o resultado de uma discussão e uma reflexão profundas, ela reúne os apoios necessários para transformá-la em realidade.