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Reforma ou Reajuste


Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo, 25/07/97

A reforma do Estado, que nos anos 90 tornou-se dominante em todo o mundo, é um processo que visa, a médio prazo, redefinir a áreas de atuação do Estado e reconstruí-lo, dotando-o de maior capacidade de governança, não devendo, portanto, ser confundida com as ações de curto prazo de ajuste fiscal, que são essenciais para a estabilidade dos preços, juros baixos e desenvolvimento econômico, mas podem ser realizadas independentemente de reformas estruturais e geralmente não exigem emenda constitucional.
A recente aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados da emenda da reforma administrativa, apesar dos percalços por que passou, foi um passo importante da reforma do Estado brasileiro, principalmente ao possibilitar a demissão por insuficiência de desempenho. Desta forma será possível estabelecer uma administração pública gerencial, em que os políticos eleitos e uma alta burocracia profissional, recrutada e treinada de forma impessoal, possa administrar de forma descentralizada, cobrando resultados dos servidores públicos. Entretanto, se os efeitos estruturais dessa mudança são fundamentais, suas conseqüências fiscais são de pequena monta. Se, por outro lado, no segundo turno, for aprovado o dispositivo que operacionaliza a Lei Camata, permitindo a demissão de excedentes quando o estado ou o município estiver gastando mais de 60 por cento com funcionalismo, estará sendo dado um passo importante para facilitar o ajuste fiscal. Caso, porém, não se consiga a aprovação, ou esta demore mais tempo ainda, será verdade que o ajuste fiscal estará inviabilizado, que os riscos de um ataque especulativo contra a moeda aumentarão dramaticamente, e que "o Plano Real estará em risco"?
Obviamente estamos aqui diante de uma confusão. A reforma do Estado é essencial e está sendo feita desde o início dos anos 90. Compreende mudanças constitucionais e principalmente não constitucionais. A abertura comercial, que foi a mais importante reforma do Estado no Brasil, não exigiu emenda. A privatização só o exigiu para alguns casos. O ajuste fiscal pode ser ajudado por reformas constitucionais, mas, depois do grande aumento de gastos públicos que ocorreu no governo Itamar Franco, quando os gastos com o funcionalismo federal duplicaram em termos reais (aumentaram em 30 por cento ao ano entre 1992 e 1995!), fazendo o déficit público retornar a níveis inaceitáveis, o governo Fernando Henrique tem se dedicado firme e consistentemente ao ajuste, e os frutos já estão sendo vistos na redução em termos reais dos gastos com o funcionalismo, e mais amplamente na diminuição do déficit em relação ao PIB.
Nesta matéria o grande desafio que o governo Fernando Henrique tem enfrentado é o do desequilíbrio das contas dos estados. E neste ponto o equívoco de considerar a reforma administrativa constitucional como essencial para o ajuste é gritante. Muitos governos estaduais gastam mais do que os 60 por cento permitidos pela Constituição com despesas com pessoal porque aumentaram salários no início do governo e porque deixaram de demitir funcionários não-estáveis. Uma minoria de governadores teve a coragem de segurar os salários e promover as demissões de não-estáveis, e agora estão reencontrando o reequilíbrio fiscal. Os casos de Alagoas e São Paulo são paradigmáticos. Enquanto em São Paulo o governador Mário Covas demitia mais de 120 mil funcionários e mantinha os salários sob estrito controle, de forma que, agora, depois da consolidação da dívida junto ao governo federal, está com as finanças equilibradas e pode voltar a investir sem se endividar, Alagoas está afundada na pior das crise exatamente porque não tomou as medidas duras necessárias no início da administração.
É importante, entretanto, observar a política do governo federal em relação à crise financeira de Alagoas. Quando a crise surgiu, há vários meses atrás, cobrou-se a intervenção federal, que o governo, entretanto, recusou-se a fazer, provavelmente porque o princípio da intervenção previsto pela lei é o da irresponsabilidade financeira: o governador é suspenso de suas funções, mas o governo federal passa a se responsabilizar pelas dívidas do estado sob intervenção. Ao invés de intervir, o governo federal está fazendo um "acordo" com o estado: fornece os recursos para pagar o funcionalismo em atraso, exigindo em troca o fim da isenção fiscal do ICMS para os usineiros, a privatização das empresa de energia elétrica, a demissão de funcionários de confiança em excesso e a montagem de um sistema de desligamento voluntário.
E há mais uma coisa fundamental: o governo federal condiciona seu empréstimo a um acordo com o Tribunal de Justiça do estado para que os recursos não sejam utilizados para o pagamento de sentenças judiciais (precatórios). Com isso o governo federal está dizendo claramente a Alagoas e aos seus credores empresarias, sejam eles bancos, empreiteiras ou fornecedores, que não se responsabilizará pelos seus débitos junto aos fornecedores e bancos. Esta é uma mudança fiscal e financeira revolucionária. Estados e municípios podem agora falir; o governo federal não garante suas dívidas. Dessa forma, seu crédito passa a ser um problema de mercado. Bancos e empreiteiras pensarão duas vezes antes de financiar unidades da federação que claramente não têm condição de pagar. E assim, como acontece em outros países federais, o próprio mercado ajudará a realizar o ajuste fiscal.
Para isto não foi necessária reforma constitucional. Bastou apenas firmeza do Presidente da República e do seu Ministro da Fazenda, que decidiram não utilizar uma lei equivocada - como é a da intervenção -, mas simplesmente agir de forma inovadora e corajosa na busca do ajuste fiscal.