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PT: Recuperar o Rumo

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo, 04/08/97

Oded Grajew escreveu neste espaço (Folha, 29.7) o artigo "PSDB: recuperar as raízes", em que narra a tentativa de um grupo de militantes do PSDB e do PT que, em 1993, se reuniram para discutir o diagnóstico e as propostas para o Brasil dos dois partidos de esquerda, visando precisar os pontos comuns e as divergências. Oded foi quem tomou a iniciativa pelo lado do PT, eu, pelo lado do PSDB. Tivemos quatro ou cinco reuniões em São Paulo, em que alguns dos mais significativos membros dos dois partidos intervieram - e afinal preparamos o documento que Oded cita em seu artigo e o entregamos aos presidentes dos dois partidos em dezembro de 1993. A partir desse fato Oded sugere que "os trabalhos, que iam muito bem, foram interrompidos pelo anúncio da aliança do PSDB com o PFL, e pelo lançamento da candidatura de FHC." Em conseqüência o PSDB teria "perdido suas raízes" de esquerda, que o articulista espera sejam recuperadas.
Minha leitura do que realmente ocorreu é um pouco diferente. O documento salientava objetivos comuns: "precisamos eleger parlamentares que estejam comprometidos com um programa de garantia de direitos sociais, de geração de novos empregos, e, consequentemente, de crescimento com maior justiça na distribuição de renda e no combate à corrupção, à sonegação e ao desperdício do setor público, colocando o Estado a serviço do bem comum". Nas reuniões houve realmente consenso quanto as desigualdades existentes no país e as distorções de que é vítima o Estado brasileiro. Houve também consenso de que era preciso dar prioridade ao setor social. Mas o consenso terminou aí.
Sequer no diagnóstico havia acordo. Para muitos dos representantes do PT, o Brasil estava imerso em uma crise estrutural - em uma crise do capitalismo global - que provocava e anunciava pobreza crescente em todo o mundo, enquanto para nós o Brasil estava imerso em uma crise de alta inflação, causada pela incapacidade do país de equacionar o problema da inércia inflacionária, e uma crise de Estado, que impunha sua ampla reforma e reconstrução, para que pudesse ter um papel efetivo em garantir a estabilidade da moeda e uma maior justiça social, que - aqui voltávamos a concordar - apenas o mercado não garante.
Quanto às propostas para enfrentar a crise havia também ampla discordância. Enquanto o PSDB estava convencido que, a curto prazo, para terminar com a alta inflação, era preciso forte ajuste fiscal e um mecanismo de neutralização da inércia inflacionária, que já estava então proposto pelo Plano Real, o PT falava em um grande acordo social para terminar com a inflação e se opôs terminantemente ao Plano Real a partir do início de 1994.
Quanto à retomada do desenvolvimento com mais igualdade, enquanto o PSDB enfatizava a necessidade de reformar o Estado, mantendo a abertura comercial, aprofundando a privatização das empresas estatais, consolidando o ajuste fiscal, aumentando a eficiência do aparelho do Estado, principalmente dos seus serviços sociais que receberiam atenção prioritária do governo, os representantes do PT discordavam de todas essas propostas e só tinham uma proposta para resolver todos o problemas do Brasil: aumentar o gasto social, ignorando que esse gasto era feito de forma muito ineficiente pela burocracia estatal - ou supondo que bastariam mecanismos de controle social a nível local e aprofundar a contra-reforma burocrática da Constituição de 1988 para resolver o problema. Adicionalmente, não indicavam quais as fontes de recursos para o aumento dos gastos realizados com tanto desperdício.
Por outro lado ficou claro nos encontros que sua potencialidade era mínima, porque o PT já tinha candidato fechado à presidência, enquanto o PSDB entendia, já em 1993, quando as reuniões se realizaram, que deveria ter candidato próprio. Quando se tornou patente em 1994 que tínhamos um candidato com grande potencial, dada sua competência política e a perspectiva de que o Plano Real daria certo, o partido definiu seu candidato e o lançou em aliança com o PFL.
Dessa forma, como sugere Oded, o PSDB perdeu as raízes? De forma alguma. O PFL tem sido um excelente aliado nas reformas que o PSDB afirmou como prioritárias desde a sua fundação em 1988 - reformas que modernizam o Estado, que tornam o país mais competitivo internacionalmente, e assim permitirão uma sociedade mais próspera e mais justa. Basta ver as votações no Congresso.
Enquanto PSDB e PFL votam juntos e solidamente as reformas - um partido de centro-esquerda, outro de centro-direita, mas ambos muito próximos do centro - o PT, pretendendo ser de esquerda, vota contra tudo, não percebendo que burocracia não é sinônimo de esquerda, mas muitas vezes é a sua distorção, não percebendo que uma classe empresarial livre e empreendedora e uma burocracia competente, com capacidade e autonomia gerencial, são essenciais para uma sociedade moderna, mas que uma burocracia assim concebida é contraditória com a manutenção de privilégios tais como a estabilidade absoluta, salários absurdos de uma minoria não limitados por tetos e subtetos, aposentadorias integrais em torno dos cinqüenta anos senão antes disto. Em todos esses pontos, apesar do protesto de um número substancial mas minoritário de seus deputados, o PT votou contra, monoliticamente, burocraticamente, como tem votado contra todos os outros aspectos da Reforma do Estado.
Como Oded diz que há muita gente boa no PSDB, também sei que há muita gente excelente no PT. Mas não foi o PSDB que perdeu suas raízes, foi o PT que perdeu rumo e ficou sem proposta. Espero que um dia esta tragédia para as esquerdas, que sempre terão um papel decisivo a desempenhar na defesa dos mais pobres, possa ser revertida.