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O Bom Governo


Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo
, 22/09/97

Nada mais importante do que o bom governo. É impressionante como o mau governo tem um papel devastador, e como o bom governo têm um efeito quase milagroso sobre a economia e a sociedade. Mas o que é um bom governo? Este conceito variará de acordo com o grau de cultura democrática de um povo. Quanto mais frágil for a democracia, quanto mais atrasadas forem suas elites e seu povo, mais o bom governo será identificado com obras. Como alternativa, muitos imaginam que bom governo é aquele que está de acordo com nossos valores. Mas estamos cansados de ver governos bons e maus independentemente de serem de esquerda ou de direita.
O conceito obrista de bom governo vem, dia a dia, perdendo espaço junto à opinião pública brasileira. Os elevados índices de popularidade que vem mantendo Fernando Henrique Cardoso são uma indicação deste fato. Seu governo tem obras - os 42 projetos do Brasil em Ação estão aí -, mas está claro que não é daí que deriva o apoio extraordinário que vem mantendo o presidente. Não é daí, mas é de ter sido o responsável e principal garantidor do Plano Real, dirá imediatamente meu interlocutor. Não nego este fato óbvio - uma espécie de lugar-comum de todas as análises do governo. Principalmente junto às camadas mais pobres o apoio a Fernando Henrique está diretamente relacionado com o comportamento dos preços da cesta básica. Mas será só isto?
O grande segredo do governo Fernando Henrique está no fato de que projeta uma imagem de honestidade e franqueza pessoal, somada a uma visão otimista do Brasil, sem, entretanto, negar os grandes problemas econômicos, sociais e políticos que o país enfrenta. Diante desses problemas o presidente não pretende ter todas as respostas - porque os recursos são limitados e porque vivemos em sistema federativo em que o orçamento da União é apenas uma fração do orçamento total do Estado - mas tem uma certeza: seu governo tem rumo. Sabe para onde vai, tem uma visão ampla das mudanças que ocorrem na sociedade brasileira e como elas se refletem sobre o Estado, sabe quais são as grandes tendências mundiais e como o Brasil deverá se inserir nessa sociedade globalizada. Não pretende ter a verdade sobre como governar, mas tem convicções.
Ora, o bom governo é feito dessas qualidades. Não é o governo que faz obras, nem mesmo o governo do nosso partido ou da nossa ideologia, mas o governo democrático que inspira confiança e abre perspectivas positivas para a sociedade, de forma que cada um dos seus membros possa se desenvolver. Em um mundo em transformação vertiginosa, em um mundo globalizado em que a competição tornou-se universal, em que as tradições perderam força, em que o capital se tornou volátil, em que a organização burocrática revelou sua fragilidade e ineficiência, em que nada mais é seguro - nem emprego, nem valores -, tornou-se fundamental para o povo, que trabalha e vota, e para os empresários, que investem, que seu governo seja confiável e tenha idéias claras e coerentes, que logrem reduzir um pouco a incerteza e o medo que nos rodeiam.
A longa entrevista que o Fernando Henrique deu à revista Veja (10.09) é um documento impressionante nesse sentido. O Brasil e o mundo estão mudando de forma acelerada. Uma mudança que já não implica na quebra da ordem para criar uma outra, mas em um processo muito mais complexo de mudança social, que leva as pessoas a sentir que "há uma grande insegurança no mundo". Não obstante, não há razão para pessimismo. Tudo aponta para o fato de que no Brasil, nos próximos anos, haverá "mais democracia, mais inclusão, e maior capacidade de tirar proveito das condições naturais e das oportunidades".
Para isto teremos que reformar o Estado, torná-lo mais forte, porque "se deixar o mercado solto, pobre país". Precisamos de um Estado menor, mais eficiente, mais gerencial, que seja capaz de aproveitar os recursos escassos de que dispõe para investir no social e reduzir as desigualdades e a informalidade. Mas isto o Estado não poderá fazer sozinho. Deverá contar com os elementos que constituem a sociedade nova - "organizações não-governamentais e outros elementos de pressão da sociedade" - para, assim, "não termos dois Brasis". Sim, porque, se a miséria diminuiu, ela está ainda bem presente. No passado ela estava escondida no campo, tornou-se aparente na cidade. "A miséria hoje é mais visível, mais chocante e menos aceitável". Para enfrentá-la o presidente se declara de esquerda, um progressista "em busca da radicalização da democracia". Entretanto, assinala: "o problema não é ser de esquerda, direita, liberal, social-democrata ou conservador. É ser atrasado." Atrasados são os conservadores que se apegam ao patrimonialismo, confundindo o público com o privado. Atrasada é a velha esquerda burocrática e corporativista, que "se propõe refundar sozinha o Estado, a sociedade e a felicidade geral", ao mesmo tempo que se apega a um corporativismo patético.
Quem lê uma entrevista como essa, quem ouve o presidente todos os dias falar para a sociedade, em entrevistas, discursos, sabe que está diante de um bom governo: de um governo que tem uma política econômica e um política social claras; de um governo engajado nas reformas; de um governo comprometido com a democracia e os direitos humanos; de um governo que cria um ambiente positivo para o investimento interno e internacional; de um governo que age com transparência e firmeza. Sabe que está diante de um governo que tem deficiências, que pode cometer erros, mas que, em um mar encapelado e incerto como aquele em que vivemos, está conduzindo a nossa travessia para o século vinte e um com senso claro de direção.