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Fernando Henrique e Mario Covas

Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Estado de São Paulo, 12/01/98

O PSDB, desde que foi fundado em 1988, sempre teve dois gigantes políticos lado a lado - Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas. O partido nasceu como uma espécie de família: dois avós ilustres (Teotônio Vilela e Franco Montoro), os dois tios (os já citados), e muitos sobrinhos brilhantes. Nasceu com base em um "sim" e um "não": sim à social-democracia, ao compromisso com a justiça social mesmo que arriscando um pouco a ordem, à defesa do interesse nacional quando este colide com os interesses estrangeiros; não ao populismo e à corrupção, que haviam comprometido uma parte ponderável de seu antigo partido, não ao corporativismo burocrático, não ao nacionalismo que atribui nossos males a um indefinido imperialismo.
O partido nasceu, assim, sob a égide da mudança que estava ocorrendo no mundo. Mudança causada pela crise do Estado e de sua burocracia; mudança que levara a esquerda à defensiva e ao imobilismo senão ao retrocesso, e a direita radical, neoliberal, à ofensiva ideológica em favor do Estado mínimo. Mudança, portanto, que exigia de todos nós, membros da centro-esquerda social-democrática, uma transição intelectual, e uma alternativa inovadora. A primeira tarefa, agora, não era mais aumentar os impostos e os gastos na área social para melhor distribuir a renda, mas reformar o Estado, recuperar sua poupança pública, sua solvabilidade, e torná-lo mais eficiente para poder, como o mesmo dinheiro, realizar na área social mais e melhor. O aumento da carga tributária podia ainda ser feito, mas o essencial agora é privatizar as empresas, principalmente as deficitárias ou que não contribuem para o tesouro público; reduzir as despesas desnecessárias; e aumentar a eficiência dos gastos necessários, orientando-os de forma prioritária para a educação e a saúde. é estabilizar a moeda, tornar a previdência geral básica equilibrada financeiramente, eliminar os subsídios de toda ordem aos capitalistas e os privilégios os mais variados à classe média e aos servidores públicos. É contar mais com o mercado para coordenar a alocação de recursos, ao mesmo tempo que se reforma e se aumenta a capacidade de governança do Estado, para que este possa suprir efetiva e eficientemente as falhas e injustiças do mercado - que são muitas.
Fernando Henrique e Mário Covas compreenderam que o mundo mudava e fizeram sua mudança pessoal. Fizeram isto porque em muita coisa são muito parecidos: na honestidade, no espírito público acima dos interesses pessoais, na competência política. Mas o fizeram de maneira diferente, Fernando Henrique um pouco antes de Covas, porque os estilos dos dois são muito diferentes. Fernando Henrique é um grande intelectual que se transformou em político, Mário Covas um notável administrador que tem a política no sangue. Fernando Henrique é conciliador, e sabe que a política é tanto a prática da busca do interesse público quanto a arte do compromisso para somar vontades divesas; Mário Covas também sabe que qualquer político precisa fazer compromissos entre sua própria visão do interesse público a necessidade de obter apoios e formar maiorias para ser eleito e governar, mas os faz resistindo, a contra-gosto. Tanto um como outro são dois imensos ativos da política brasileira, são dois políticos que nos fazem ter a confiança que o Brasil será um país cada vez mais democrático, mas honesto, e melhor governado.
São por outro lado, complementares, que podem disputar espaço em alguns momentos, como é inevitável para todos os políticos, mas que têm marcado sua vida política infinitamente mais pela cooperação do que pelo conflito. Não me lembro de nenhuma disputa séria entre eles. O que me lembro, sim, é um apoiando o outro, e vice-versa, nas mais diferentes circunstâncias. Um apoio e uma cooperação que derivam de princípios morais e ideológicos comuns, e da sua complementaridade em termos de personalidade e forma de fazer política.
Agora um é Presidente da República, o outro, Governado do Estado de São Paulo. Ambos estão fazendo administrações notáveis: o primeiro consolidando a estabilização da moeda e promovendo uma reforma modernizadora do Estado brasileiro sem precedentes na história do país; o segundo, saneando as finanças do Estado, que haviam sido destruídas pelos dois governos anteriores, impondo um estilo de administração austero e realizador. Modernizou radicalmente a administração pública do Estado, realizou um trabalho inovador visando melhorar a qualidade da escola pública, e na área da saúde, tem feito um uso mais racional dos recursos orçamentários limitados. Por outro lado, enquanto o Presidente faz avanços extraordinários na área dos direitos humanos, o Governador teve a coragem de colocar na Secretária da Segurança um homem público que sabe combinar a firmeza no combate ao crime ao respeito à lei, reduzindo, dessa forma, de maneira radical a matança de criminosos e supostos criminosos no estado.
O Presidente está claramente apoiando o Governador, mas, como bom político que é, sabe que precisa somar, e, apesar se Paulo Maluf ser um adversário histórico do PSDB em São Paulo, não o hostiliza (afinal o PPB faz parte da aliança que apoia o governo), da mesma forma que não hostiliza os candidatos dos outros partidos concorrentes com os candidatos do PSDB nos demais estados. Em função disto os políticos menores e a imprensa insistem em espalhar a cizânia. Na mesma direção, porque o estado de São Paulo não recebe determinada verba orçamentária, ou determinada compensação pela perda do ICM nas exportações, ou porque o adversário recebe financiamento a que não teria normalmente direito, surgem imediatamente as notícias de conflito, as intrigas, a tentativa de divisão, esquecendo-se os intrigantes que São Paulo negociou a consolidação da sua enorme dívida, em um processo que revelou do lado de São Paulo competência, e, do lado da Presidência (não diria de todo o Governo Federal), uma inequívoca decisão de dar apoio ao acordo.
São inúteis, portanto, as tentativas de intriga. Na administração do país e na reforma do Estado brasileiro Fernando Henrique e Mário Covas estão caminhando juntos. Nas eleições deste ano caminharão mais uma vez juntos. E - espero eu como paulistas e brasileiros tanto esperam - que não apenas Fernando Henrique seja o candidato a presidência, mas que Mário Covas seja o candidato a governador. Precisamos dos dois.