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Presidir o Diálogo

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo
, 07/06/98

Um governo democrático só tem grandeza quando tem muito claro e busca enfrentar com coragem dois pares de desafios: no curto prazo, ajudar as pessoas a resolverem seus problemas econômicos e sociais do dia a dia, garantindo a ordem social e um mínimo de bem estar; no longo prazo, ter muito claro o sentido geral da mudança que está ocorrendo no país e no mundo, e dentro desse quadro de restrições e oportunidades lutar para que haja mais desenvolvimento e mais igualdade. Fernando Henrique Cardoso, como qualquer outro presidente, enfrenta as enormes dificuldades de governar um país tão grande, tão complexo e tão desigual como é o Brasil; nem sempre tem os meios ou o poder para ajudar a população a resolver seus problemas do dia a dia; e realiza com dificuldade as reformas que garantirão ao país a retomada do desenvolvimento com mais justiça social. Tem, entretanto, um diagnóstico objetivo dos problemas do país, sabe qual o rumo geral a ser seguido, e propõe todos os dias, em seus discursos, em suas entrevistas, um grande debate em torno do projeto de sociedade e de nação que visualiza.
O dia a dia, entretanto, é sempre difícil. A pobreza é muito grande, a injustiça, maior ainda. Não há fórmulas mágicas para resolver esses problemas. O Plano Real foi uma quase fórmula mágica: com enorme inteligência terminou com o pior dos males que a economia brasileira já enfrentou - o da alta inflação - e ainda teve como conseqüência imediata um considerável diminuição da concentração de renda, na medida em que os rendimentos dos assalariados e principalmente das populações de mais baixa renda tiveram um aumento imediato e substancial. Mas foi uma quase mágica, não uma mágica, já que resolveu apenas aquilo que podia resolver: o da inércia inflacionária causada pela indexação formal e informal da economia. Não resolveu, nem poderia resolver, o problemas do bem-estar e o da justiça social.
O problema da seca no Nordeste ilustra bem essa dificuldade. O país vem realizando há décadas um grande esforço para reduzir as diferenças regionais; nestes últimos três anos desdobrou seus esforços, mas os resultados, mesmos nos estados mais bem sucedidos, como o Ceará e a Bahia, têm sido magros. A precariedade da vida das populações pobres do semi-árido nordestino continua dramática, só podendo ser enfrentada, nos momentos de crise, com soluções emergenciais como as cestas básicas ou as frentes de produção.
Neste quadro, o problema central é como retomar o desenvolvimento a taxas elevadas, que tornem viável as políticas sociais necessárias. Existe um consenso entre os economistas a respeito. Para isto é necessário eliminar o déficit público, garantir os fundamentos macroeconômicos, aumentar a competitividade internacional da economia brasileira, exportar mais, e equilibrar a conta-corrente externa do país. O problema está em como alcançar esses objetivos. E nessa matéria não há consenso. O governo afirma: através do controle do gasto público, das reformas constitucionais, da privatização, da abertura comercial, e do aprofundamento e ampliação do Mercosul conseguiremos os recursos necessários para uma política social de investimento em capital humano (educação, saúde) e desenvolvimento da ciência e da tecnologia, de reforma agrária e de defesa do meio ambiente. Como os recurso aplicados nestas políticas, serão sempre limitados, será preciso potencializá-los através de um reforma da administração pública que a torne gerencial ao invés de burocrática, que a torne eficiente e voltada para o cidadão ao invés de baseada em regras e auto-referida.
Este discurso é perfeitamente coerente. É por isso que o presidente Fernando Henrique insiste em afirmar que o Brasil está no rumo certo, que um projeto nacional está sendo gestado. Um projeto que não é conservador, que nada tem de neoliberal, porque não visa o Estado mínimo, mas, sim, aumentar a capacidade do Estado, fortalecê-lo no plano fiscal, recuperando a poupança público, e no plano administrativo, dotando-o de um corpo de servidores com competência gerencial, para que as funções que são do Estado ele as possa executar com efetividade e eficiência.
Um projeto nacional, entretanto, só é viável quando o desenvolvimento é retomado e se forma um quase-consenso a respeito das novas idéias. E é aqui que está a dificuldade ou a contradição. Para fortalecer o Estado e retomar o desenvolvimento são necessárias reformas e um ajuste fiscal que envolve custos no curto prazo que uma parte considerável da sociedade não está disposta a incorrer. Os ricos não querem pagar mais impostos; os burocratas não querem perder privilégios como os da previdência; a alta classe média não quer ver reduzidas as transferências que o Estado lhe faz através, como, por exemplo, as realizadas através das universidades estatais; a esquerda burocrática não quer as reformas que fortaleçam o Estado e o mercado; a direita neoliberal quer reformas inaceitáveis que eliminam direitos legítimos em nome da flexibilização do trabalho. Mas todos querem que os juros baixem, que a dívida do Estado pare de crescer, que o câmbio se desvalorize, que os investimentos, as exportações e o emprego cresçam, que o Estado não pague tanto dinheiro em juros, e que gaste mais em educação, em saúde, em cultura, em reforma agrária, em defesa do meio-ambiente, em combate à pobreza.
Estamos, obviamente, diante de um impasse que precisa ser rompido. Não existem soluções mágicas para os problemas, nem inimigos óbvios a quem responsabilizar. Não existe mais ditadura, nem alta inflação. Mas existem adversários temíveis a serem denunciados: de um lado, a globalização como ideologia e o neoliberalismo, e, de outro, o corporativismo e o velho nacionalismo. São ideologias reais e radicais, que abrigam interesses contraditórios de capitalistas e burocratas. São ideologias adversárias do desenvolvimento, adversárias da justiça social, adversárias da grande massa pobre e trabalhadora da população, a quem essas ideologias não interessam nem beneficiam. E adversárias do diálogo democrático, que é a única forma de enfrentar o impasse.
Em meio a estas dificuldades o presidente Fernando Henrique faz escolhas, propõe reformas, logra êxito parcial em aprová-las, começa a implementá-las. Este o seu papel como presidente. Mas o seu papel maior, que ele desempenha com enorme competência, é o de presidir o debate nacional, de apontar os rumos, de ouvir e responder as críticas, de argumentar e convencer através do diálogo. É desta forma que ele contribui para o projeto nacional necessário, é assim que ele dá um sentido geral para as ações de seu governo, é desta maneira que ele contribui para que haja um pouco mais de ordem e de segurança em um mundo tão conturbado pela mudança, pelos conflitos de interesse, e pelas ideologias radicais.