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O Fortalecimento do CNPq

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo, 31/01/99

Eunice Duhram publicou artigo nesta página manifestando sua preocupação com a reforma do estatuto do CNPq que estou promovendo. São dois os perigos que, a seu ver, devem ser evitados: a perda de autonomia do órgão, que tem sido tão importante para a pesquisa científica no Brasil, ou a sua fragmentação em três órgãos independentes. Partilho de suas preocupações, e é exatamente por isso que estou propondo uma reforma visando o fortalecimento do CNPq, ao mesmo tempo que sua autonomia é garantida nos quadros de um sistema de responsabilização democrática.
O que é um CNPq forte? É um órgão que promova o desenvolvimento científico e tecnológico realizado nas universidades e institutos de pesquisa brasileiros de forma competente e isenta. É órgão que combine de forma equilibrada o financiamento de pesquisas originadas espontaneamente da comunidade, que são julgadas por comitês de pares, com o financiamento de pesquisas induzidas a partir de uma política nacional de ciência e tecnologia que esteja permanentemente respondendo às demandas da sociedade e do Estado. É o órgão que reuna todos os recursos de fomento do governo federal destinados à pesquisa científica, evitando a fragmentação hoje existente dos recursos para esse fim, divididos entre o CNPq e diversos fundos administrados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. É o órgão que além de ser o principal executor da política científica no Brasil, participe ativamente da sua formulação.
Ora, é precisamente isto que está sendo almejado com a reforma que hoje estou discutindo com a comunidade científica. O CNPq continuará a manter a sua identidade, conservará a sua presidência (que poderá ou não ser ocupada pelo ministro) e terá três vice-presidentes, com nível de secretário, que, com o presidente, formarão a Presidência do órgão, responsável pela definição das políticas e o controle de sua execução, em conjunto com o Conselho Deliberativo, cujas funções serão integralmente mantidas . Os três vice-presidentes deverão ser necessariamente membros da comunidade científica e tecnológica brasileira de reconhecida competência (hoje não nenhum requisito estatutário desse tipo para a escolha do presidente do CNPq). Do estatuto não constarão suas especialidade, mas no regimento termos um vice um para ciências da vida e biológicas, outro para ciências exatas e engenharias, e um terceiro para ciências humanas e sociais aplicadas.
O compromisso com a interdisciplinariedade será honrado seja através do caráter colegiado da presidência e das d através da combinação permanente entre ciência e tecnologia, que o próprio título das vice-presidências sugere, seja através da possibilidade de os vice-presidentes delegarem para uma diretoria de projetos especiais projetos de conteúdo interdisciplinar.
Finalmente, todos os recursos destinados a financiar as pesquisas nas universidades e institutos isolados, que hoje se encontram no MCT, passarão para o controle do CNPq. Dessa forma termina-se com um conflito endêmico, que sempre caracterizou as relações entre os dois órgãos, o ministério conservando sua função principalmente política, o CNPq, seu papel essencialmente científico.
Mas ainda assim não haverá uma perda de autonomia do CNPq? Não estarei eu confundido o papel do Estado (CNPq) como do governo (MCT)? Em absoluto. A distinção entre Estado e governo é útil – e eu já a usei em um artigo nesta Folha, em 1977, para defender a SBPC contra o regime autoritário, que retirou as verbas daquela instituição e tentou impedir seu congresso em Fortaleza (afinal transferido para a PUC de São Paulo) porque seus membros criticavam o governo. Mas é perigosa se imaginarmos que através dela possamos dotar as instituições do Estado do chamado "insulamento burocrático", tornando-as, assim, não responsabilizáveis (accountable) perante a sociedade. O Presidente e os Vice-Presidentes do CNPq, como o Ministro da Ciência e Tecnologia são parte do governo, mas agem em nome do Estado, realizando políticas que interesse público, sem discriminação de caráter partidário e ideológico. Não se garantem, entretanto, estes princípios através de estatutos ou de normas burocráticas, mas através da prática quotidiana da democracia, e do controle permanente da sociedade, neste caso representada por um grande e diferenciado conjunto de pessoas, que são os cientistas brasileiros.
Por tudo isto, Eunice, estou certo de que através da reforma que estou realizando teremos afinal um CNPq e um MCT mais fortes e mais coerentes, agindo nos quadros de uma sociedade, que, apesar de todos os seus problemas, é cada vez mais democrática. Teremos um MCT e um CNPq que realizam em conjunto ao invés de conflitivamente a política de ciência e de tecnologia do país – uma política que deve ter objetivos claros, que deve estar voltada para o interesse nacional, que deve priorizar as pesquisas mais relevantes que a sociedade e a economia do país demandam, mas que seja ao mesmo tempo uma política suficientemente aberta para permitir que o pensamento e a criatividade de nossos cientistas seja respeitada e estimulada.
A reforma que estou propondo não tem nada de radical nem de arbitrária. Quando se quiser ter um presidente do CNPq distinto do ministro não será necessário mudanças de estatutos, bastará nomeá-lo. O que há de mais permanente na reforma é a concentração no CNPq dos recursos para a pesquisa; é a participação do CNPq, através dos seus vice-presidentes, obrigatoriamente originados da comunidade científica, na formulação da política de ciência e tecnologia no país; é terminar com ficção de que o ministério formulava política e o CNPq a executava; é o fim do conflito entre os dois órgãos.