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O Novo Rumo do Brasil

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo, 1
7/03/99

Tornou-se lugar comum afirmar que o país está sem rumo, o que não deixa de ser paradoxal, já que a crise que estamos vivendo foi o resultado de uma decisão consciente do Presidente da República, que, ao tomá-la, reconheceu a necessidade de modificar o rumo da economia brasileira e tomou a medida fundamental para lograr esse resultado: desvalorizar o real. A conseqüência esperada e inevitável da decisão foi a instabilidade cambial e o ressurgimento temporário da inflação. Ou seja, foi uma "crise aguda", de curto prazo, que leva a essa sensação de falta de rumo, mas que permitirá ao pais superar sua "crise crônica".
Desde 1979 a crise econômica brasileira é crônica. Esta crise, cujas origens estão relacionadas com o Estado – a crise fiscal, o esgotamento do modelo estatista e protecionista de intervenção do Estado, e a superação da forma burocrática e corporativista de administrá-lo – passou por diversas fases, que, em parte, se sobrepuseram.
Primeiro, foi uma crise da dívida externa, de insolvência internacional, a partir do momento em que o sistema financeiro internacional suspendeu a rolagem da dívida brasileira. Em seguida e concomitantemente, foi uma crise de alta inflação realimentada pela inércia inflacionária. Finalmente, a partir de julho de 1994, quando o Plano Real afinal estabilizou a economia brasileira, transformou-se em uma crise cambial, dada a valorização do real.
Nas três fases foi uma crise caracterizada por baixas taxas de crescimento econômico, geralmente provocadas por altas taxas de juros, que respondiam a três fatores correlatos: (1) à necessidade de obter empréstimos internos para financiar o déficit público e internacionais para cobrir o déficit em conta corrente; (2) à crença monetarista de que com altas taxas de juros se controla a inflação ainda que a economia esteja desaquecida; e (3) ao imperativo de limitar a taxa de crescimento do PIB para evitar um déficit explosivo na conta corrente do pais. Este último fator era especialmente perverso porque essa taxa de crescimento estava muito aquém das restrições impostas pela oferta de recursos de capital, de mão-de-obra ou de tecnologia.
A causa central da crise a partir de 1994 foi o câmbio valorizado, que limitava as exportações e o investimento, favorecia a importação e o consumo, e tornava o país dependente da poupança estrangeira pela qual pagamos custos altíssimos – exceto no caso dos investimentos diretos. Estes custos se expressavam na taxa de juros escorchante que o país era obrigado a manter para evitar que o déficit comercial se tornasse explosivo e assustasse nossos credores, que, no cálculo da taxa mínima de juros que exigiam, incluíam um prêmio de risco por uma desvalorização súbita, dada a sobrevalorização que o Banco Central do Brasil oficialmente reconhecia, mais a desvalorização gradual de 7 por cento ao ano que expressava esse reconhecimento. Estas duas parcelas envolviam um custo de aproximadamente 15 por cento reais ao ano, ao qual era ainda preciso acrescentar um abusivo "risco Brasil", que também os credores incluem no cálculo da taxa de juros.
É certo que o governo demorou para promover a desvalorização. Demorou porque havia no Banco Central uma decisão irracional e arrogante de "defender o real" a qualquer custo. E demorou, também, porque essa posição foi, pelo menos até a crise da Rússia, apoiada pelas elites brasileiras e internacionais. No exterior, os economistas do FMI e do Banco Mundial afirmavam que bastava fazer o ajuste fiscal e o problema da valorização cambial seria resolvido (!), no Brasil a maioria dos economistas e empresários, especialmente os do setor financeiro, repetiam essa tolice transformada em sabedoria convencional, ignorando-se que isto só poderia ocorrer às custas de uma recessão e uma deflação inaceitáveis. Outros acrescentavam que a desvalorização gradual resolveria o problema, ignorando ou subestimando o enorme custo em termos de taxa de juros que ela representava, e subestimando sempre os riscos de uma possível crise internacional.
No início deste ano, entretanto, o Presidente Fernando Henrique tomou a decisão de desvalorizar. Poderia continuar a adiar a decisão – como o ex-presidente do Banco Central salientou em discurso de despedida – mas teve a coragem de enfrentar os riscos da crise, inclusive da perda de popularidade, porque convenceu-se que era preciso mudar o rumo da economia brasileira. Que o país não podia continuar a perder reservas como estava perdendo. E mais, que não podia continuar a depender de empréstimos internacionais a custos altíssimos para financiar um déficit em conta corrente insustentável a médio prazo. E, finalmente, que não podia deixar que esta taxa de juros absurda continuasse não apenas a impedir o investimento produtivo no país mas também a deprecisar as empresas nacionais – a reduzir seus preços nas bolsas de valores, mais que compensando a valorização do real – e assim as tornando alvo fácil de compra por investidores estrangeiros.
Tomada a decisão de mudar o rumo da economia brasileira, enfrentamos hoje uma crise de transição. Para administrá-la corretamente recorremos ao FMI, e colocamos como prioridade recuperar o crédito do país. Para isto e para evitar uma taxa de inflação maior é necessário, além de aprofundar o ajuste fiscal, manter a taxa de juros em nível adequado. Quanto ao ajuste fiscal, não há qualquer dúvida de sua absoluta necessidade. Em relação à taxa de juros, o importante é mantê-la em um nível nominal que mantenha seu carater real, dada a inflação. O nível que afinal foi acordado pelo governo com o FMI no memorando de intenções (10,3 por cento reais, em média, neste ano) é razoável, compatível com oretorno dos investimentos produtivos.
Teremos ainda turbulências. Que apenas se agravam com declarações irresponsáveis de Dornbusch e Cavallo – afinal estrangeiros – e de um outro ex-presidente do Banco Central, que têm o desplante de propor ao Brasil dolarizar sua economia adotando o currency board – o que deixaria um país da dimensão do Brasil sem qualquer condição de realizar política monetária e cambial. Estas e outras turbulências, entretanto, serão superadas. As exportações brasileiras logo aumentarão, as importações já estão em plena queda, o déficit em conta corrente em breve poderá ser financiado por investimentos diretos e ainda sobrarão recursos que nos permitam reduzir nossos compromissos internacionais. E assim, no novo rumo, teremos novamente claro para nós mesmos o que todas as nações desenvolvidas sabem há muito, mas uma certa ideologia financeira internacional insiste em negar: o capital se faz em casa; o desenvolvimento é um desafio que só nós mesmos brasileiros poderemos resolver, usando nossa própria poupança.