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Salário Mínimo x Renda Mínima

Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Estado de São Paulo, 10/03/2000

A melhor decisão que o governo tomaria em relação ao salário mínimo neste ano seria a de não aumentá-lo um centavo, e, em troca, estabelecer imediatamente o sistema de imposto de renda negativo, que, de forma simples, complementaria até, digamos, 170 reais, o valor do salário mínimo para quem estivesse trabalhando. Para o financiamento dessa despesa seriam usados inicialmente os valores que o governo economizará não aumentando o mínimo mais os recursos que serão destinados ao Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza que está tramitando no Congresso com apoio do governo.
O debate que todo ano se estabelece a respeito do salário mínimo ganhou este ano uma irracionalidade a mais quando um partido conservador lembrou que o populismo jamais foi exclusividade da esquerda, e retomou a velha proposta de elevá-lo para 100 dólares. Não vou argumentar contra esse número esdrúxulo, que não se expressa em moeda nacional. Não vou repetir aqui que, através de um salário mínimo desse valor vamos estar criando uma despesa adicional sem qualquer racionalidade na Previdência, ao mesmo tempo em que o governo é obrigado a economizar centavos nas áreas da saúde e da educação para manter sob controle do déficit público. Ao invés disto estou propondo que a idéia, que o Senador Eduardo Suplicy defende há muitos anos de que estabeleça um imposto de renda negativo, comece agora a se concretizar.
O fato de a idéia vir de um representante da oposição não deve ser obstáculo. Desde o primeiro momento o presidente Fernando Henrique Cardoso, então senador, apoiou a iniciativa. No governo, entretanto, não logrou transformá-la em realidade dada a restrição fiscal, e a falta de um debate mais sereno a respeito do assunto a nível da sociedade.
As vantagens de um sistema de renda mínima como esse sobre um aumento do salário mínimo são enormes. Além do custo fiscal para a Previdência, a elevação do salário mínimo representa um custo adicional para as empresas. Dada a demanda de trabalho existente, que depende essencialmente do nível de renda, um aumento de salário mínimo significa necessariamente aumento de desemprego. É certo que o aumento do salário mínimo, aumentando a renda dos trabalhadores, aumentará a demanda efetiva por trabalho, mas esse aumento será muito mais que compensado negativamente pela maior custo da força de trabalho para as empresas.
Em contrapartida, com um imposto de renda negativo, a renda mínima dos trabalhadores que estejam trabalhando será a mesma que seria com o aumento do salário mínimo, mas a demanda por trabalhadores seria maior, reduzindo-se, assim, o desemprego.
Uma das razões principais que explicam o maior desemprego na Europa em relação aos Estados Unidos, além do fato de que as taxas de crescimento do último país foram consideravelmente maiores nos anos 90, é a de que este país usa um salário mínimo baixo e um mecanismo de imposto de renda negativo (denominado tax credit on earned income) para garantir um valor mínimo recebido pelos trabalhadores, enquanto os países europeus adotam a estratégia irracional do salário mínimo alto.
Esta minha proposta deve, naturalmente, ser submetida a um cuidadoso escrutínio fiscal, que eu não fiz por falta de meios. A tabela do imposto de renda negativo, que complementaria o salário mínimo e iria um pouco além dele, constituída de valores decrescentes, terá que ser estabelecida considerando-se o número de trabalhadores que a receberiam e o respectivo custo. O custo total não deverá ser maior, neste ano, do que aquele valor que o governo economizará não elevando os custos da Previdência, mais o valor que tem condições de inicialmente atribuir ao combate da pobreza.
Há um segundo custo a ser considerado em seguida: o da constituição de um fundo de renda mínima para os desempregados. O Sistema Nacional de Renda Mínima, assim estabelecido, seria composto de dois fundos: um para os empregados, outro para os desempregados.
Para financiar esse sistema, o governo federal deverá realizar um amplo trabalho para converter seus atuais gastos sociais em valores para esses dois fundos. Sabemos que não faz o menor sentido o governo federal, a partir de Brasília, continuar a realizar gastos de assistência social através de suas próprias organizações ou mesmo através de organizações públicas não-estatais. Também não faz sentido o governo federal, a não ser nos casos de situações de emergência, repassar recursos para os governos estaduais e municipais para que estes realizam a assistência social. O governo federal deveria limitar suas despesas nesta área ao imposto de renda negativo e ao esquema de renda mínima, este último em parceria com os estados e municípios.
Sei bem que a eliminação dos gastos do governo federal com assistência social não poderá ser feita de um dia para o outro. As entidades que os recebem dependem deles. Mas é possível estabelecer-se um programa gradual de redução, claramente previsto na lei. Por outro lado, deverá ficar absolutamente claro que o dinheiro assim economizado irá sendo transferido para os dois fundos de renda mínima patrocinados pelo governo federal: o fundo para o imposto de renda negativo e o fundo para a renda mínima daqueles sem emprego.
Por mais que os neoliberais o neguem, o Estado tem um dever de garantir condições mínimas de sobrevivência para sua população. O problema é como fazê-lo de forma racional, maximizando os resultados do valor que está sendo gasto. A nível federal, não há dúvida de que a forma mais racional é a do imposto de renda negativo, e o de um sistema de renda mínima. A nível estadual e municipal serão realizados os gastos diretos com assistência social, neste caso sempre que possível através de organizações públicas não-estatais controladas pelos resultados alcançados. O imposto de renda negativo não é uma solução mágica para os problemas da pobreza – por isso precisa ser complementado por outras medias – mas não há dúvida que é um sistema muito superior à anti-estratégia de aumentar o salário mínimo, porque estimula o trabalho e aumenta o emprego.