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Novo Nacionalismo
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de
S.Paulo, 23/03/2000
New nationalism is
the national interest's policy
that rich countries tacitly adopt.
O
Carnaval sempre foi uma festa nacional, mas o último levou a um novo patamar o espírito
patriótico que sempre o caracterizou. A Folha (4.3), descrevendo o desfile das
escolas de samba do Rio de Janeiro, afirmou: "Um espetáculo de ufanismo
verde-amarelo marcou o primeiro dia do Grupo Especial do Rio. Na apresentação encerrada
às 5h30 de ontem, todas as sete escolas levaram a bandeira do Brasil para o Sambódromo
ou usaram suas cores em carros alegóricos e fantasias. O público aprovou e
aplaudiu".
Uma
explicação para o fato está nas comemorações dos 500 anos. Eram os 500 anos da
descoberta. Ao invés de perguntarem-se se fomos "descobertos" ou se houve um
"encontro", os brasileiros deixaram a questão de lado, e aproveitaram a
oportunidade para celebrar o Brasil. Um Brasil que está precisando, mais do que nunca,
ser celebrado, ter seus valores defendidos, sua identidade nacional reconhecida e
respeitada.
Outra
explicação, que completa a primeira, é a de que, depois de dez anos de entrega de
nossas elites a um globalismo sem freios, o fracasso das propostas neoliberais leva o povo
a dizer que está na hora de repensar o país, chegou o momento de um novo nacionalismo
um neonacionalismo patriótico e moderno.
As
ideologias estão constantemente mudando e se adaptando às novas realidades e aos novos
interesses. No Brasil os liberais eram progressistas e nacionalistas no século passado;
tornaram-se conservadores quando surgiu a ameaça comunista; entraram em crise com a
grande depressão dos anos 30; assumiram nos anos 60 a denominação
"neoliberal" para indicar que haviam se adaptado às novas realidades e que
aceitavam um certo grau de intervenção do Estado; mas quando o desenvolvimentismo e o
Estado do Bem-Estar entraram em crise, no final dos anos70, aproveitaram a onda
conservadora para radicalizarem seu liberalismo e seu globalismo.
Os
intervencionistas, por sua vez, fossem eles moderados (social-democratas), ou radicais
(comunistas e integralistas), eram, nos anos 30, nacionalistas e desenvolvimentistas. Suas
alas mais extremadas entraram em colapso uma após a outra: o integralismo ainda nos anos
40, o comunismo a partir dos anos 60, o autoritarismo militar, nos anos 80. Sobreviveram,
porém, formas do velho nacionalismo, e a social-democracia ou a nova esquerda. Esta
adaptou-se às novas realidades dos anos 80, mas não sem confusões e desencontros.
Agora, diante do fracasso do neoliberalismo globalista e da estratégia do confidence
building, a social-democracia identifica-se com o novo nacionalismo.
Temos,
assim, três ideologias em conflito: a globalista, a nacionalista, e neonacionalista. As
três têm em comum o patriotismo, entendido este como patriotismo romântico, como amor
genérico pelo país. Ninguém, nesta classificação, é traidor da pátria. A questão
é saber qual das três ideologias atende melhor aos interesses do país: ao seu
desenvolvimento e à sua liberdade.
O
globalismo é o novo nome do entreguismo; é uma ideologia, sempre presente em países
subdesenvolvidos como o Brasil. Parte da verificação da superioridade dos países ricos
(afinal eles dispõem de maiores rendas por habitante, de tecnologias mais avançadas, de
Estados mais fortes e mais democráticos, de governos mais competentes, de sociedades mais
homogêneas e coesas) para subordinar equivocadamente o próprio país. Devemos obter a
confiança (e o crédito) dos países desenvolvidos, engajando-nos na estratégia do confidence
building, fazendo tudo o que Washington e Nova York nos sugerem. Afinal os interesses
dos países ricos e os nossos são coincidentes, e eles sabem o que é melhor para nós.
O
velho nacionalismo, no polo oposto, também reconhece a superioridade dos países ricos,
mas vê nela o perigo. Os interesses deles são contrários aos nossos. Os jogos entre
desenvolvidos e subdesenvolvidos têm soma zero: quando um ganha o outro perde. Logo, é
preciso ser contra o estrangeiro, contra as empresas multinacionais, contra as agências
multilaterais. Os grandes países ricos são imperialistas, querem apropriar-se do
excedente que geramos. E para isto aliam-se a elites locais globalistas. Logo, é preciso
ter uma atitude geral "anti". Mais do que isto, é preciso que limitemos nossas
relações com o exterior, visto que, quando negociamos, sempre perdermos.
O
neonacionalismo, por sua vez, admite a superioridade dos desenvolvidos, mas não a
sobrestima. Concorda quanto à necessidade de construção de nossa identidade nacional,
mas nega que nossos interesses sejam sempre conflitantes com os do exterior. Recusa a
idéia globalista de que os países ricos saibam melhor do que nós quais as políticas
que devemos adotar, como recusa o pressuposto nacionalista de que não tenhamos
condições de negociar. O neonacionalismo é a política do interesse nacional. É a
ideologia que afirma que nossos interesses nacionais são com freqüência coincidentes
com os dos demais países, mas em certos casos, contraditórios. Que não há razão para
ter uma atitude genérica a favor ou contra, mas sim tratar de verificar qual é o nosso
interesse nacional em cada caso, e negociar a partir daí.
O
interesse nacional, nesse contexto, é definido como o interesse do trabalho e da empresa
nacionais. Nestes termos, todos os países desenvolvidos são neonacionalistas. Seus
políticos defendem democraticamente os interesses de seus eleitores. O globalismo
serve-lhes apenas para uso externo. Para eles a defesa do interesse nacional não é uma
questão, é um pressuposto. Já no Brasil, dado o complexo de inferioridade colonial a
que o subdesenvolvimento nos sujeita, existem dúvidas sobre se existe ou não um
interesse nacional. Por isso existem globalistas, que negam a relevância do interesse
nacional e pensam "globalmente", em termos de "racionalidade do
mercado", e nacionalistas, que desconfiam de nossa capacidade de defender nossos
interesses.
O
povo, representado nas escolas de samba, não é nem globalista nem nacionalista. Não
diria que é neonacionalista, porque aqui há uma sofisticação conceitual que
provavelmente lhe escapa. Mas é patriota, e nos lembra a todos que a nação brasileira
existe, e que se nós não cuidarmos dela, ninguém o fará em nosso lugar.
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