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A Sagrada Missão Pública
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de
S.Paulo, Mais! 4/06/2000
Crisis in the
Brazilian university.
A
universidade pública está em crise e precisa ser defendida. Existe uma crise de curto
prazo, que se traduza na greve das universidades paulistas, para a qual se acabará por
encontrar uma solução. Mas será, por definição, uma saída precária, como foi
precária a criação de uma gratificação para os professores das universidades federais
em 1998. É preciso encontrar as causas mais profundas dessa crise, que está relacionada
com a quase-estagnação econômica dos últimos 20 anos, mas cuja verdadeira causa está
na perda de apoio junto à opinião pública.
A
universidade não está em crise porque é pública. Países civilizados só possuem
universidades públicas. Universidades privadas, que derivam lucro do ensino, são
inaceitáveis nos países mais avançados. A universidade pública também não está em
crise porque não esteja cumprindo sua missão, que é de ensinar, pesquisar e publicar.
Poderia faze-lo melhor, se tivéssemos professores mais bem pagos e mais motivados, que se
sentissem estimulados a produzir. Mas continuam a existir muitos grupos de excelência nas
universidades públicas.
A
origem da crise está na no conceito de público que foi adotado pelas universidades
brasileiras. Seguindo o modelo francês e alemão ao invés do americano e inglês,
público aqui tornou-se na linguagem corrente sinônimo de estatal. Ora, o ensino e a
pesquisa são incompatíveis com formas estatais e burocráticas de administração. O
resultado é, de um lado, um peso excessivo das aposentadorias precoces e integrais, sem
qualquer relação com a contribuição, e de outro, a rigidez, a ineficiência, o mau uso
dos recursos públicos.
Torna-se
difícil para a opinião pública entender porque as universidades públicas
não-estatais, como as PUCs, a FGV, a Cândido Mendes, a Metodista de Piracicaba, podem
alcançar níveis satisfatórios de ensino e pesquisa a um custo para o contribuinte muito
menor o custo das taxas do que o custo incorrido nas universidades estatais.
O nível de ensino e principalmente o de pesquisa ainda tende a ser melhor nas melhores
universidades estatais do que na média das públicas não-estatais, mas a diferença não
justifica o diferencial de custo para o país.
No
último dia 23, nesta Folha, li um editorial e um artigo de Renato Ortiz, cujos
títulos eram, respectivamente, "Pela universidade pública" e "Crônica de
uma morte anunciada". Magnífico que o jornal se ponha a defender a universidade. Mas
por que só a estatal? Por que não reconhecer que aquelas universidades que acabei de
nomear não são privadas, como insistem em afirmar os professores das universidades
estatais, a confirmar a forma de classificação das estatísticas oficiais, e a repetir a
imprensa. Por que não afirmar que são universidades públicas não-estatais, ao invés
de privadas, que são de direito privado mas não visam lucro, e que voltadas para o
interesse público.
Por
outro lado, Renato, a universidade não vai morrer. Existem, sim, os cínicos e os
irresponsáveis, que falam em privatização da universidade, que pedem que a universidade
se equipare a uma empresa, que faça consultoria ao invés de pesquisar, que prepare
apenas técnicos ao invés de cidadãos com capacidade de pensar. Mas eles são minoria, e
não destruirão a universidade.
Que
está ameaçando a universidade somos nós, que a defendemos, porque não estamos sabendo
reforma-la. Precisamos mudar o estatuto jurídico das universidades estatais. Torna-las,
como fizeram os ingleses, autônomas e públicas não-estatais. E continuar a
financiá-las quase integralmente, como fazem também os ingleses, pelo Estado. O ensino
pode continuar gratuito, embora fosse preferível que fosse pago ao mesmo tempo que se
asseguravam 30 por cento das vagas para bolsas. Mas o pagamento ou a gratuidade não é o
problema principal. É uma questão que pode ser deixada para depois. O essencial é,
gradualmente, tornar as universidades fundações autônomas, de direito privado, que
contratam professores e funcionários pela legislação trabalhista, e organizam fundos de
pensões para eles. Os professores poderão alcançar estabilidade depois de alguns anos,
adotando-se o sistema de tenure americano. Mas não será uma estabilidade
automática. Só os melhores alcançarão. As universidades deverão ter liberdade para
contratar, estabelecer salários, planos de carreira. O Estado, por sua vez, criará uma
agência, como a inglesa, que receberá os recursos orçamentários, e os distribuirá às
universidades em função de dois critérios: o número de estudantes e o a qualidade do
ensino, e o volume e qualidade das pesquisas e publicações. Isto sem prejuízo dos
recursos específicos dados à pesquisa pelo CNPq, a FAPES, etc. Desta forma teremos
competição entre as universidade, e autonomia de cada uma delas para serem bem sucedidas
e realizarem sua missão pública, que é uma missão quase sagrada.
Algumas
cometerão erros: contratarão funcionários em excesso, ou aumentarão salários, que
não terão como pagar. Neste caso o Estado não virá socorre-las. A responsabilidade
será da própria universidade, de seus reitores, de seu conselho de administração.
Claro
que haverá um longo período de transição. Os atuais professores e funcionários
deverão ser mantidos como estão, como servidores públicos. E continuarão a ser pagos
diretamente pelo Estado, embora cedidos às novas organizações sociais especiais, em que
serão transformadas as universidades estatais. Suas aposentadorias deverão ser colocadas
fora do custo da universidade, no custo total do serviço público, para que o custo da
universidade não fique indevidamente inflado.
Esta
é a forma que a médio prazo garantirá à universidade pública o papel que deve ter no
país. Propus idéias semelhantes a estas em 1995. Embora tenham contado com um imenso
apoio da opinião pública, elas encontraram resistência de professores e reitores, que
viam nela uma tática neoliberal para privatizar a universidade. Creio que este tipo de
desconfiança, se ainda não desapareceu de todo, perdeu quase toda a sua credibilidade. O
que estou propondo é aquilo que os professores universitários brasileiros sempre
reivindicaram: autonomia. Mas autonomia só pode vir com responsabilidade. Uma
responsabilidade que as boas universidade não terão dificuldade em assumir.
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