header_y.gif (2220 bytes)menu_lc_articles.gif (2681 bytes)



Nós e o México

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S.Paulo, 6/8/2000

Critique on the Brazilian foreign policy, particularly in relation to ALCA.

A sabedoria convencional, de direita ou de esquerda, desenvolvimentista ou globalista, continua a pensar que ser moderno e ser nacionalista são duas atitudes incompatíveis. Ora, não há qualquer conflito entre as duas coisas. Difícil é determinar qual é o interesse nacional. No caso da política comercial brasileira, por exemplo, todos parecem de acordo: estamos certos em resistir tão bravamente às tentativas americanas de formar a ALCA (Associação de Livre Comércio das Américas). Nada é mais suspeito do que o saber convencional.
Desde que o presidente Bush propôs, em 1990, a formação de uma zona de livre comércio com a América Latina, o Brasil tem-se oposto à idéia. O Itamaraty, foco da resistência, é formado por um notável corpo de servidores públicos. Bem preparados, competentes, formados na filosofia de defender o interesse nacional, uma filosofia tão ausente de alguns outros setores do governo. Muitos desses diplomatas sentiram-se frustrados com as infinitas transigências que caracterizaram a política econômica brasileira nos últimos dez anos. Em um ponto, entretanto, foram bem sucedidos: em postergar uma eventual zona de livre comércio nas Américas.
Ao adotar essa posição, estavam seguros de que defendiam o interesse nacional do Brasil. Com o passar do tempo, entretanto, fica claro seu equívoco. Embora possa parecer correto opor-se à ALCA, minha convicção pessoal é a de que o oposto é o verdadeiro. O êxito comercial do México, após sua integração ao NAFTA, é a melhor demonstração do que afirmo. Houve um erro grosseiro na política cambial mexicana, que nada tem a ver com o NAFTA, mas que obscureceu inicialmente esse êxito ao provocar a grave crise de 1994. Mas, há quatro anos, o México vem crescendo à taxa média de 5,1%. E os dados sobre o crescimento das exportações mexicanas são impressionantes. Aumentaram 2,6 vezes de 93 (quando somavam US$ 51,9 bilhões) a 99, quando atingiram US$ 136,7 bilhões. No mesmo período, as exportações brasileiras aumentaram em apenas 24,6%: de US$ 38,6 bilhões para US$ 48,0 bilhões.
O argumento inicial que usou o Brasil durante boa parte dos anos 90 para se opor à integração americana era de que os Estados Unidos, na verdade, não estavam interessados no assunto. Que a proposta de Bush fora feita apenas para aumentar o poder de barganha dos Estados Unidos junto à Europa. Este argumento só foi abandonado quando se tornou óbvia a sua falta de base. O governo Clinton revelou, de forma insistente, seu interesse em levar adiante a negociação. Quando ele não logrou que seu Congresso aprovasse o fast track, respiramos: embora tenhamos nos comprometido com a assinatura de um acordo em 2005, ficávamos com fôlego para respirar…
Antes disto, o Itamaraty havia imaginado uma estratégia dilatória. Resolvemos nos aproximar da União Européia (UE). A estratégia parecia boa, inclusive porque aumentaria nosso poder de barganha. Os europeus responderam bem, mas afinal quem assinou um acordo de preferência comercial recíproca como a UE foi o México, enquanto o Brasil continua sem acordo: com Europa ou EUA.
Há uns três anos, o Brasil afinal tornou clara a razão de sua resistência à ALCA: a indústria não estaria ainda em condições de competir com a americana. Invocou-se o clássico argumento da “indústria infante”, que precisa ser seriamente discutido no Brasil.
A indústria brasileira está longe de ser infante e não desapareceu apesar da violência da valorização cambial de 1994 a 1998. Com uma taxa de câmbio adequada, flutuante, com taxas de juros civilizadas, ao invés de artificialmente elevadas, não acredito que a indústria brasileira deixe de sobreviver. Pelo contrário, entendo que boa parte dela prosperará, como prosperou no México: o emprego na indústria lá cresce nos últimos quatro anos à taxa de 3% ao ano.
Minha posição sobre a ALCA parte de uma convicção mais geral: a de que hoje, ao contrário de há 40, o interesse nacional do Brasil está em abrir os mercados internacionais. E os países ricos demonstram cada vez mais seu protecionismo. A política da Europa a respeito é conhecida, especialmente em relação à sua agricultura. A embaixada do Brasil nos EUA mostrou recentemente como as tarifas médias cobradas pelos americanos nos 15 maiores produtos exportados pelo Brasil é três vezes maior do que a correspondente tarifa cobrada pelo Brasil nos 15 maiores produtos exportados pelos EUA. Por outro lado, uma pesquisa nacional de opinião recente do Instituto Gallup para a TV CNN e para o jornal USA Today revelou que enquanto 78% dos americanos sentem-se entusiasmados ou esperançosos com a “nova economia” e 45%  afirmaram que o livre comércio é prejudicial para os EUA “por custar empregos”, contra 43% a favor.
Posso estar equivocado, mas não há dúvida de que é necessário começar a discutir seriamente o problema. Enquanto ficamos encostados no nosso canto, os mexicanos progridem e demonstram seu interesse em dificultar o surgimento da ALCA. “Esperem mais algum tempo para que possamos consolidar a nossa posição”, disse-me um excelente economista daquele país. Tenho a maior simpatia pelos mexicanos, que são nossos irmãos, mas isto não justifica que renunciemos a competir e deixemos de aumentar nossas exportações, quando sabemos que essa é uma condição essencial para a retomada do desenvolvimento brasileiro.