header_y.gif (2220 bytes)menu_lc_articles.gif (2681 bytes)



Paixão pelo Brasil


Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S.Paulo, 21/07//2000

Homage to Barbosa Lima Sobrinho.

Barbosa Lima Sobrinho, que acaba de falecer aos 103 anos, foi meu tio por afinidade – casado com irmã de meu pai – e teve influência decisiva em minha vida. Visitava-o sempre que ia ao Rio de Janeiro, e na minha última visita, há cerca de dois meses, encontrei-o como sempre, em boa saúde, e com a mente perfeita. Ele me perguntava sobre a família de São Paulo, conversava alguns minutos sobre o tema, e, em seguida, falávamos de sua paixão, o Brasil.
Barbosa Lima Sobrinho ficará na história do Brasil como um de seus maiores intelectuais e homens públicos. Como homem público, foi deputado federal, governador do Estado de Pernambuco, candidato de protesto à vice-presidência da República, na chapa de protesto ao regime militar encabeçada por Ulysses Guimarães, presidente da Associação Brasileira de Imprensa, e jornalista do Jornal do Brasil, onde publicou, durante mais de 50 anos, seu artigo dominical. Estas duas últimas funções públicas, ele as exerceu até a sua morte. Sempre olhando para o presente e o futuro do Brasil. Sempre crítico de seus governos e de sua sociedade, mas nunca perdendo a esperança.
Como intelectual, seu ensaio A Verdade sobre a Revolução de 1930, é um clássico da história do Brasil. A lista de seus livros, entretanto, é imensa. Lembro que, visitando a enorme biblioteca sobre a América Latina da Universidade do Texas, procurei títulos de sua autoria: encontrei 28. Ele tem um livro fascinante sobre Alberto Torres, mas creio que o livro recente que ele mais gostava era Japão: O Capital se Faz em Casa.
Barbosa Lima não era só um jornalista e um historiador; era um escritor. Publicou um romance na juventude. Tinha um estilo claro e elegante de escrever. Foi desde os anos 30, membro da Academia Brasileira de Letras. Quando menino, passando férias em sua casa no Botafogo, eu me lembro de espiar com admiração seu fardão da Academia, bem guardado no armário.
Seus artigos para o Jornal do Brasil nunca foram publicados em livros. Uma contribuição para a cultura nacional seria publicá-los em CD-ROM, e disponibilizá-los na Internet.
Sua grande paixão foi o Brasil. Paixão sem extremos, sempre equilibrada, sempre matizada pela sabedoria e pela compaixão. Na política, foi um seguidor do grande estadista deste século, Getúlio Vargas. Com ele e com Agamenon Magalhães, em Pernambuco, aprendeu a ser nacionalista. Seu nacionalismo, porém, só ganhou cores definitivas quando, nos anos 50, depois de ter governado Pernambuco, voltou para o Rio de Janeiro e se tornou advogado da prefeitura. A Light, naquela época uma empresa canadense concessionária dos serviços de eletricidade e de bondes da cidade, tornou-se então sua grande adversária jurídica. Ele percebeu que para defender os interesses da cidade, precisava também defender os interesses da nação brasileira.
Tio Barbosa – era assim que eu o chamava – escreveu o prefácio de meu primeiro livro, Desenvolvimento e Crise no Brasil (1968). O livro adotava uma perspectiva nacionalista e ainda desenvolvimentista, mas ele não as achou suficientes. Em seu prefácio há um discreto puxão de orelha no sobrinho.
A partir dos anos 80, evoluí para o que chamo de “nacionalismo do interesse nacional”. Ele se manteve fiel ao nacionalismo clássico, que não era xenófobo, mas desconfiava do estrangeiro. Se houve divergências, jamais criaram problemas em nossas relações. Em outro ponto fundamental, o socialismo democrático, sempre coincidimos.
Na verdade, as duas primeiras grandes influências que tive na minha vida foram as de meu pai, Sylvio Pereira, e de meu tio Barbosa Lima. Em trabalho recente, “Influências e Contribuições”, assinalei o fato. Foi com eles que aprendi a ser democrata, de centro-esquerda e nacionalista. Influências que deixaram marcas definitivas testemunhando meu débito imorredouro para com eles.
Barbosa Lima deixou-nos uma lição de vida, sempre fiel a sua adorada Maria José; uma lição de jornalismo, sempre em defesa da liberdade de imprensa; uma lição de intelectual, sempre usando sua grande biblioteca como instrumento de trabalho; uma lição de homem público, sempre capaz de combinar as duas qualidades máximas dos homens de Estado: prudência e coragem.
A lição que provavelmente ele mais gostaria de ter deixado a seus compatriotas é uma lição econômica. Barbosa Lima não era um economista, mas conhecia suficientemente a teoria econômica para ter compreendido a verdade básica do processo de desenvolvimento econômico: o capital se faz em casa. Pretender desenvolver o país com poupança estrangeira é um grande equívoco.
Meu tio era, neste caso, definitivo: resistia não apenas aos financiamentos externos mas também aos investimentos das empresas multinacionais. Embora eu não seja um defensor de qualquer investimento direto externo – sou contra, por exemplo, a desnacionalização do Banespa, e não concordo com a privatização de serviços públicos monopolistas.
Sou, entretanto, como Barbosa Lima, um crítico radical da estratégia de desenvolvimento com endividamento, que adotamos nos anos 70, com trágicas conseqüências para o Brasil, e repetimos nos anos 90. É imensa a probabilidade de que uma parte importante dos recursos tomados de empréstimo sejam usados em consumo em vez de serem investidos, e acabem por criar graves encargos. Essa lição precisa ser melhor aprendida pelos brasileiros. Além dos globalistas, que aceitam qualquer tipo de capital, em qualquer circunstância, temos os que são defensores do interesse nacional mas não perceberam ainda o perigo representado pelo financiamento externo.
A voz de Barbosa Lima Sobrinho agora está calada. Não poderá mais ele argumentar e reargumentar a favor de suas idéias. Mas essas idéias e seu exemplo de vida ficarão para todos nós, brasileiros, como marcos da construção de um Brasil democrático e soberano, com o qual ele sempre sonhou.