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Por Que Não Há Respeito
Luiz Carlos Bresser-Pereira
O Estado de
São Paulo, 9.8.2000
There is no respect
in Brazil because respect is a civil right,
and democracy was here achieved skipping the civil rights stage.
Minha preocupação
central, desde que passei três meses como visitante na Oxford University, foi saber
porque no Brasil não praticamos o debate público. Por que, em vez de debater,
desclassificamos o adversário, e ele nos desclassifica? Por que certa imprensa, por que
certos procuradores do Ministério Público, por que certos políticos violentam a honra
das pessoas a partir de indicações inconclusivas sobre se houve apropriação do
patrimônio público? Essa minha preocupação tem um caráter pragmático. Se não houver
debate público verdadeiro, não aprenderemos dos nossos erros. Mas, quando a
desclassificação das pessoas atinge sua honra, como acontece agora com Eduardo Jorge e
sua família, existe também um problema ético.
Meu primeiro impulso
é responder como De Gaule: O Brasil não é um país sério. E, de fato,
quando discutimos pessoas, em vez de questões, e, pior ainda, quando órgãos públicos
difamam, caluniam pessoas sem ter um razoável conjunto de evidências à sua
disposição, não estamos sendo sérios.
Dois irmãos de
Eduardo Jorge, em entrevista ao Estado,
afirmaram que obterão ganho de causa no Judiciário, mas perguntaram: quem nos
devolverá nossa honra?. Ninguém, respondo, porque a difamação é ainda impune no
Brasil, não apenas ao nível do Judiciário, mas, antes disso, ao nível da sociedade
civil, que não se indigna com esse tipo de violência. Mas, em compensação, adiciono,
sua honra não é tão atingida como parece, porque, como todos sabem que muitas vezes as
acusações não são verdadeiras, estas perdem muito do seu poder: são quase tão
inofensivas contra os inocentes quanto inefetivas contra os culpados. Ora, se é assim,
este país não é serio. Um país sério é aquele em que os cidadãos são responsáveis
e responsabilizados. Aqui ninguém é responsável por nada, porque ninguém é
responsabilizado por nada. E ninguém é responsabilizado porque, com freqüência, os
acusadores merecem tanto crédito quanto os acusados.
Como já aconteceu
diversas vezes anteriormente, uma parte da imprensa não está sendo séria e responsável
em relação ao caso Eduardo Jorge. Está se fazendo um enorme escândalo, no
qual se procura envolver o presidente da República e causar uma crise política. Por que?
Por nada de concreto até agora, a não ser um grande número de telefonemas entre um
ex-ministro, enquanto era ministro, e um juiz hoje aposentado da Justiça do Trabalho, que
dela havia sido seu presidente em São Paulo, e que é manifestamente corrupto. Para esses
telefonemas o ex-ministro deu uma explicação. Havia uma sinecura, os juizes
classistas (que, aliás, o governo conseguiu afinal extinguir no Congresso) e, em
razão dela, uma grande pressão política de empresários, líderes sindicais,
políticos, para indicar seus candidatos. Cabia ao Presidente escolhê-los. Como fazê-lo?
Com que critérios? A partir de que informações? O juiz Nicolau surgiu como a equivocada
resposta para estas questões.
Essa foi a
explicação do ex-ministro. Se muitos não a acham convincentes, vamos investigar. Se o
Ministério Público entende necessário concentrar seus esforços investigativos no
assunto, que o faça. Se a imprensa quer também ser investigativa, não faz mais do
que seu papel. Se o Ministério Público julga necessário abrir o sigilo bancário do
acusado, o melhor que este faria seria ele próprio tomar a iniciativa de abri-lo logo.
Se, como resultado preliminar das investigações, ou mesmo sem esses resultados, os
deputados acham que devem fazer uma CPI para isto, façamo-la.
Mas o que não
podemos é criar manchetes, é fazer acusações laterais e insinuações, que não dizem
respeito à questão a ser investigada. Esta questão é clara: o ministro estava ou não,
enquanto ministro, intervindo para ajudar o juiz Nicolau a obter recursos orçamentários
para a obra suspeita? E, se o fez, tratou do assunto com a intensidade que os telefonemas
sugerem ou não? Se se descobrir que o conteúdo dos telefonemas era principalmente obter
verbas, haverá indicações de benefício pessoal, que poderão ser verificados nos
extratos bancários.
Ora, até agora,
depois de tantas acusações, depois de tantas manchetes, depois de tanto escândalo, não
há absolutamente nenhum fato novo relevante. Nada específico. Apenas indicações de
atividades de lobby, que não são adequadas para quem acabou de sair do governo,
mas não constituem crime. No mais, só há desrespeito. Desrespeito pelo acusado, por sua
família, e mais, desrespeito por todos os cidadãos brasileiros.
Mas por que tanto
desrespeito? Porque não somos sérios, como sugerem alguns?. Ou porque nossa democracia
é subdesenvolvida, como a sabedoria convencional indicaria?
Creio que há uma
resposta mais precisa. O respeito às pessoas é um direito civil, como a liberdade e a
propriedade. Na França e na Inglaterra, os direitos civis foram debatidos e começaram a
ser conquistados no século 18. No século 19 os direitos políticos, de votar e ser
votado, foram afirmados nos países desenvolvidos. E na primeira metade do século 20, foi
a vez dos direitos sociais. Ora, o Brasil, na segunda metade do século 20, logrou
tornar-se democrático. Mas, quando houve a transição democrática, saltamos a etapa dos
direitos civis, que foram muito pouco discutidos, e concentramos toda a nossa atenção
nos direitos políticos e sociais.
Se for correta essa
explicação, isso significa que precisamos começar a debater seriamente a questão dos
direitos civis. E que a sociedade civil, além do sistema legal, precisa começar a punir
exemplarmente a violência do desrespeito.
Sabemos há muito que
os direitos civis dos pobres e dos fragilizados estão sendo constantemente violentados.
Estou sugerindo, agora, que também os direitos civis da classe média estão também
sendo atacados. Ora, um país em que não há respeito é um país em que não há
seriedade, em que não há debate, em que não há responsabilização daqueles de quem se
espera responsabilidade. Mas é também um país que não está sendo ele próprio
respeitado, no qual suas leis e instituições estão em jogo. Logo, reagir contra os
desrespeitadores, além de uma questão de cidadania, é uma questão de defender o
Brasil.
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