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Competência e Incompetência


Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Estado de S.Paulo, 18.12.2000


Monetarism and developmentalism are dead, but incompetence in policymaking remains alive.

Um sinal de subdesenvolvimento cultural é ver renascerem questões que os fatos tornaram superadas. Um exemplo desse fenômeno foi o debate recentemente surgido entre “desenvolvimentistas” e “monetaristas” para explicar porque o país se mantém semi-estagnado. Ora, tanto o desenvolvimentismo quanto o monetarismo são manifestações de um passado já superado.
O desenvolvimentismo foi uma deturpação populista do estruturalismo latino-americano. Quando o estruturalismo deixou de dar respostas a questões concretas, o desenvolvimentismo tomou seu lugar. O monetarismo, por sua vez, foi uma teoria macroeconômica equivocada que relacionava diretamente a oferta de moeda com a inflação. A política econômica que esta teoria sugeria foi abandonada pelos bancos centrais de todo o mundo há cerca de dez anos, porque as evidências empíricas insistentemente desmentiam aquela relação direta e simples. Em seu lugar firmou-se paulatinamente, inclusive no Brasil, a estratégia pragmática da meta de inflação.
Por outro lado, ficou mais que demonstrado nos últimos 20 anos que a permutação (trade-off) entre inflação e desenvolvimento, que inspirava certas interpretações supostamente keynesianas, era falsa. Maior inflação não leva a maior mas a menor desenvolvimento. No médio e no longo prazo, quanto maior a estabilidade, maior tenderá a ser o desenvolvimento. No curto prazo é possível provocar um desenvolvimento artificial através do aumento da demanda agregada acima da capacidade de produção, através do déficit público e da valorização do câmbio, mas logo alta inflação e crise de balanço de pagamentos dão cabo do ciclo populista assim iniciado.
A única política macroeconômica legítima é aquela que preserva a estabilidade macroeconômica de longo prazo. Não apenas a de preços, mas também a de balanço de pagamentos. Não apenas aquela que mantém o equilíbrio fiscal interno mas também o equilíbrio das contas externas, de forma a reduzir a níveis razoáveis a restrição externa ao desenvolvimento do país.
Existe, porém, uma política macroeconômica que preserva a estabilidade de forma competente e outra que o faz incompetentemente: a primeira combina estabilidade com desenvolvimento, a segunda sacrifica o desenvolvimento em nome da estabilidade, ou da ideologia.
Eu distinguiria três formas de incompetência: a incompetência ativa, que consiste em obter estabilidade de preços às custas da desestabilização do balanço de pagamentos; a passiva, que implica em manter uma taxa de juros confortavelmente elevada para evitar a inflação às custas claramente do desenvolvimento; e a ideológica, que recusa a adoção de políticas comerciais e industriais em complemento à de estabilização, por um viés ultraliberal, ou as adota em excesso, por um viés estatista.
Incompetência macroeconômica ativa foi o que ocorreu no México entre 1991 e 1994; foi o que vimos no Brasil entre 1995 e 1998; é o que estamos vendo há anos na Argentina. A taxa de câmbio é mantida artificialmente baixa graças principalmente a taxas de juros altíssimas, com graves prejuízos para a economia nacional.
A incompetência passiva é menos grosseira. Para ser entendida é preciso definir, em termos simples, o que entendo por política macroeconômica competente. É aquela que mantém a mais baixa possível taxa de juros compatível com a estabilidade de preços, ou, em outras palavras, é aquela que mantém a tensão entre a demanda e a oferta agregadas sem provocar aumento de preços. O melhor exemplo desse tipo de política foi aquela adotada nesta década por Greenspan e o Tesouro americano. O exemplo oposto é o da política adotada pelos bancos centrais alemão e depois europeu neste mesmo período: mantiveram sempre uma taxa de juros real confortavelmente alta para evitar qualquer risco de inflação. O desemprego europeu explica-se mais por esta política excessivamente conservadora do que pela rigidez do seu mercado de trabalho.
Desde que Armínio Fraga assumiu a presidência do Banco Central, este vem aproveitando de forma competente a desvalorização cambial ocorrida para reduzir a taxa de juros real. Não logrou ainda um resultado satisfatório, dadas as turbulências internacionais, e as pressões internas e externas para que se mantenha elevada a taxa de juros. Em parte por essa razão, em parte por falta de uma política comercial mais consistente, em parte porque as relações de troca não nos tem sido favoráveis, o país ainda não conseguiu um superávit comercial que aponte para o equilíbrio a longo prazo de nossas contas externas.
Finalmente, a incompetência ideológica traduz-se na recusa de uma política microeconômica ativa a partir do princípio de que o mercado deve ser capaz de resolver todos o problemas, ou então, na intervenção excessiva que distorce os bons resultados que o mercado proporcionaria. Nos países ricos o discurso ideológico é sempre o liberal, mas a prática é mista.
Não há critério simples para a incompetência ideológica. No Brasil de hoje temos a meu ver dois erros opostos: de um lado, somos incapazes de tomar as medidas tributárias que eliminem a tributação das exportações, e recusamo-nos a adotar uma política comercial mais agressiva; de outro lado, mantemos um protecionismo industrial que não condiz com o interesse nacional do país: ao invés de lutarmos com todas as nossas forças para abrirmos o mercado norte-americano e em seguida o Europeu para nossas exportações, como fez o México, continuamos nos protegendo em um Mercosul cada vez mais ameaçado.
O verdadeiro debate que é preciso estabelecer no Brasil é entre estabilização competente, que leva ao desenvolvimento, e estabilização incompetente, que se limita a controlar a inflação. É entre uma política e uma não-política de desenvolvimento. É entre uma política passiva e ideológica, e uma política capaz de oferecer ao país uma perspectiva concreta de equilíbrio externo de longo prazo, equilíbrio esse compatível com as taxas de crescimento do PIB que o país precisa: taxas muito maiores do aquelas obtidas nos últimos anos.