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Eleições Primárias no PSDB

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S.Paulo, 10.1.2001

It is time to PSDB plan and schedule the primary elections that will choose its candidate to the presidency in 2002.

Já é tempo de o PSDB começar a se definir em relação às eleições de 2002. Está claro que o partido terá candidato próprio. Não está, entretanto, resolvido como se escolherá o candidato e qual a importância que se dará a uma coligação com os demais partidos da coalizão governamental.
Essas duas questões não interessam apenas aos membros do partido. Na medida em que se trata do partido político que detém a Presidência da República, as decisões que tomar interessam toda a nação.
Com relação à primeira questão, o PSDB deve pensar em eleições primárias. Temos dois candidatos fortes à Presidência da República: o senador José Serra e o governador Tasso Jereissati. Ambos têm plenas condições para ocupar o cargo. Como escolher entre eles? E entre outros candidatos que têm revelado interesse na disputa? Por meio de um acordo de lideranças? Em uma disputa de última hora na convenção do partido? Ou com eleições primárias?
O Senador Arruda, líder do partido no Senado, sugere que o PSDB realize primárias. Depois que este artigo estava escrito, soube que Mario Covas também se manifestou no mesmo sentido. Mais uma razão para publicá-lo.
Várias vezes o tema já foi discutido no partido, e sempre se entendeu que não chegará o tempo ainda para essa forma de escolha de candidatos. O fato, porém, é que a única forma legítima de escolher candidatos a cargos executivos no regime presidencialista é por intermédio de eleições primárias. Em certos casos pode haver um candidato óbvio, como foi  Fernando Henrique, mas isto é raro. Os Estados Unidos jamais teriam um presidente do nível de Bill Clinton não fosse o sistema de primárias. Nas democracias européias só não existem eleições primárias porque o regime é parlamentarista.
As primárias, entretanto, não são apenas uma forma mais democrática de escolher candidatos. São também a forma mais efetiva de legitimar os candidatos escolhidos. A democracia brasileira ainda é uma democracia de elites, baseada em acordos ao nível da cúpula dos partidos e da sociedade, mas está deixando de sê-lo. Uma poderosa sociedade civil está surgindo no Brasil, constituída não apenas de entidades do terceiro setor, mas também de todos aqueles indivíduos e organizações que se manifestam politicamente fora do Estado.
O debate público começa a se tornar significativo, e a opinião pública pesa cada vez mais nas escolhas dos políticos, porque sabem que esta determina cada vez mais suas possibilidades de eleição ou reeleição. Ora, em um quadro como esse a vantagem dos partidos que escolhem seus candidatos em eleições primárias é muito clara.
As eleições primárias são também uma oportunidade para o partido definir seu programa, suas prioridades. E o PSDB está precisando, mais do que nunca, realizar essa reflexão. Fui fundador desse partido. Para mim, como para todos os demais fundadores, estava claro naquele momento de que se tratava de um partido de centro-esquerda, social-democrata e moderno, comprometido com a racionalidade econômica e com a justiça social.
No plano econômico afirmávamos duas coisas: que a disciplina fiscal e a estabilidade de preços não são incompatíveis, mas, pelo contrário, consistentes com o desenvolvimento econômico, e que a alocação de recursos pelo mercado não conflita com uma ativa política comercial e industrial. No plano político dizíamos que uma distribuição de renda mais equilibrada não dificulta o investimento produtivo, mas o estimula.
Ora, doze anos depois estas idéias não estão mais claras. Especialmente porque a coligação política com partidos de direita e com partidos populistas, além do próprio crescimento do partido, esgarçaram essas opções ideológicas e doutrinárias. Por isso, nada mais indicado do que a realização de eleições primárias para a escolha do candidato à presidência.
Mas não deve o PSDB fazer tudo a seu alcance para manter a coligação governamental nas eleições? No primeiro turno, entendo que não. A alternativa é atrativa, especialmente para os conservadores, que imaginam repetir em 2002 a coligação de 1994 e 1998.
Esse caminho, entretanto, não faz sentido politicamente quando, além de não haver mais um plano Real em que se apoiar, o país caminhou claramente para a esquerda nas últimas eleições municipais, revelando que a indigação com a injustiça social cresce na medida da demora em enfrentá-la. Um candidato que se apresente ao eleitorado comprometido com alianças que o desfigurem dificilmente terá condições de ser eleito.
O PSDB deve escolher seu próprio candidato, e definir seu programa independentemente de eventuais coligações. Isto não significa que não as faremos. Mas provavelmente elas ficarão para o segundo turno. Uma coligação com o PFL ou com o PMDB, no primeiro turno, descaracterizará ainda mais a proposta política do partido: com o primeiro, porque é abertamente um partido conservador; com o segundo, porque está ainda dominado por forças populistas, e porque é provável que lance candidato próprio.
Walder de Góes observou recentemente que o PSDB tem se mostrado "um partido disposto a auto-afirmação, sem grandes preocupações com a estabilidade da base congressual”. Espero que ele tenha razão em sua análise política. Mas para que o PSDB possa ser coerente com sua proposta social-democrata moderna, é preciso que se defina pelas eleições primárias e comece logo a estabelecer as regras e o calendário para essas eleições.