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Estado-Nação Redescoberto?


Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Estado de S.Paulo, 6.3.2001

The crisis with Canada woke up our elites. Particularly in the last 10 years they had forgotten that there is something called national interest - something that the advanced nations never did.

A agressão do Canadá ao Brasil, suspendendo a importação da carne brasileira,  já foi superada, mas uma coisa parece ter mudado: as elites brasileiras – há tempo anestesiadas pela ideologia globalista de que o Estado-nação já não é mais relevante e de que o interesse nacional é coisa do passado – de repente acordaram e se deram conta de que, apesar do fenômeno indiscutível da globalização, o Estado-nação continua mais vivo do que nunca, e o interesse nacional permanece o critério fundamental que explica as relações internacionais.
As elites dos países desenvolvidos nunca tiveram dúvidas a esse respeito. Recentemente, por exemplo, o St. Anthony’s College da Universidade de Oxford realizou, com grande afluência de público, uma série de conferências sobre o Estado-nação. A tese fundamental, que Rolf Dahrendorf e Timothy Ash resumiram na primeira conferência da série, é a de que os interesses econômicos continuam a ser definidos em nível nacional, e, mais do que isso, que a única fonte real de cidadania continua a ser o Estado-nação.
As elites brasileiras, entretanto, especialmente nos últimos dez anos, esqueceram-se disto, e deixaram que nossa economia fosse gravemente desnacionalizada, primeiro no setor industrial, depois no comercial, e, finalmente, no financeiro, sem que, em troca, ocorresse a retomada do desenvolvimento: a economia brasileira permaneceu em estado de semi-estagnação, que só agora, dependendo do que vier a ocorrer com a balança comercial, começa a ser superado.
As elites dos países em desenvolvimento são vítimas, em vários graus, de alienação cultural e política. Essa alienação tem como origem permanente o grau mais elevado de desenvolvimento do país hegemônico, que implica superioridade não apenas no plano econômico e tecnológico, mas também institucional e cultural. A partir daí, a necessidade de absorver as novas tecnologias, e de copiar e aperfeiçoar as instituições, leva muitos a imaginar que isto só possa ser feito com a subordinação do país.
No caso do Brasil, a essa condição geral se somou, nos anos 80, a crise do Estado brasileiro e sua contrapartida internacional, a globalização. Enquanto a crise do Estado levava as elites nacionais a descrer de uma estratégia de desenvolvimento baseada no interesse nacional, essa mesma crise e a globalização abriam espaço para a ideologia ultraliberal, segundo a qual o desenvolvimento deve ficar por conta apenas do mercado, e para a ideologia globalista, anunciando o surgimento de uma comunidade de empresas multinacionais e de seus gerentes que representaria um estágio superior ao do Estado-nação.
Ora, essas ideologias, nascidas da aliança de economistas ingênuos, que tomam ao pé da letra o modelo neoclássico, com a alta gerência das empresas multinacionais, ainda que tenham seus representantes reais dentro dos governos dos países ricos, como foi o caso de Thatcher, na Grã-Bretanha, são principalmente ideologias de exportação: existem para serem transferidas aos países em desenvolvimento, não para serem adotadas pelos próprios países ricos.
A imposição pelo FMI à Argentina de uma completa privatização do sistema previdenciário é um exemplo do que estou afirmando. Nenhum país rico cometeu tamanha violência: privatizar a previdência básica. Outro exemplo é o da desnacionalização dos bancos de varejo: nenhum dos grandes países ricos permite que isto ocorra, e no entanto, aqui no Brasil, o processo vai de vento em popa, sem nenhuma resistência de nossas elites e de nosso governo.
Mas talvez o caso mais dramático de exportação de ideologia seja aquele que condena as políticas industriais e comerciais. Em nome de uma boa causa – o livre comércio – os países ricos criticam veemente essas políticas, enquanto as praticam sem a menor cerimônia. A condenação, porém, faz efeito ao manter muitos dos países periféricos imobilizados internamente e mal defendidos na Organização Mundial de Comércio (OMC).
Veja-se, por exemplo, o que está ocorrendo na economia brasileira. Uma desvalorização necessária e bem sucedida interrompeu um processo de altas taxas de juros, estagnação interna, e crise externa. Mas as exportações não reagiram da forma esperada. O País, que necessita dramaticamente de um superávit comercial para fazer frente a um déficit de serviços enorme, não logra sequer zerar o déficit comercial. Por que?
Talvez porque a taxa de câmbio ainda esteja valorizada, dado que a taxa de juros continua ainda elevada em termos reais, apesar da política correta que o Banco Central vem desenvolvendo de baixar paulatinamente essa taxa.
Mas certamente também porque não temos uma política industrial e comercial que estimule as exportações e a substituição de importações. O poder nessa área está difuso entre vários ministérios, e nenhum deles, exceto o da Fazenda, tem poder para liderar uma política dessa natureza. Mas o Ministério da Fazenda, ao contrário do que acontece com os ministérios de finanças dos países desenvolvidos, nada faz nesse sentido. Continua preso às orientações das entidades internacionais. Enquanto, por exemplo, na Grã-Bretanha, o ministro das finanças, Gordon Brown, lidera a política industrial e comercial do país, aqui não há ninguém para exercer essa tarefa.
O conflito com o Canadá evidenciou o caráter enviesado a favor dos países ricos de algumas normas da OMC (Estado, 11.2.2001; Luís Nassif, Folha de S.Paulo, 10.2.2001). Talvez esse conflito e essa evidência levem, afinal, nossas elites e nosso governo a redescobrirem o Estado-nação e a repensarem o problema do interesse nacional, particularmente em relação à necessidade de renegociar cláusulas na OMC, e de praticar uma política industrial e comercial ativa. Não se trata, obviamente, de voltar aos tempos do protecionismo desenvolvimentista, mas de dar à empresa e ao trabalho nacionais condições de competitividade com o exterior, num mundo em que os mercados são globais, mas não são livres: são geridos pelos interesses dos países ricos.