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A Geografia nos Aproxima

Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Estado de S.Paulo, 15.5.2001

Brazil, in relation to FTAA, is a country mature enough to negotiate satisfactorily, instead of hiding himself...

O debate atual sobre a ALCA é uma boa oportunidade para uma reflexão sobre as relações exteriores do Brasil. Temos claro em nossas mentes que somos um país integrante da América do Sul e da América Latina, porém temos dificuldade em reconhecer que somos uma nação Americana. Posso entender essa dificuldade. Nas Américas, há um país dominante, o qual, além de deter a hegemonia econômica e militar, apropriou-se do nome América, e utiliza-o como se fosse seu, exclusivamente. O Brasil, sendo o segundo maior país nas Américas, ressente-se deste poder, e rejeita uma associação ou integração mais próxima entre as Américas.
Nossa política em relação à proposta ALCA é indicativa desta atitude. Desde que a zona de livre comércio foi proposta pelo presidente Bush pai, em 1991, temos resistido ao assunto. Primeiro, dissemos que os americanos não tinham intenções de realmente assinar tal acordo. Segundo, afirmamos que a integração americana simplesmente "mataria a nossa indústria". E, terceiro, tentamos adiar ao máximo um possível acordo. Apenas recentemente deu-se um real avanço: os diplomatas brasileiros finalmente dispuseram-se a tratar de questões substantivas. Em Montreal o Presidente Fernando Henrique Cardoso afinal colocou de forma clara as condições que nortearão nossas negociações, mas a atitude continuou negativa.
Como explicar essa abordagem negativa? Por que essa resistência em admitir que somos uma nação americana, e a preferência em nos definirmos como um "global trader"? Por que não podemos ser comerciantes globais e americanos, como de fato somos?
Para responder a essa última questão, é preciso investigar se o fato de, além de brasileiros, sermos também americanos é apenas uma questão geográfica ou envolve naturalmente questões políticas e econômicas de solidariedade. Nem os americanos do Norte, nem os brasileiros estão cientes da existência de tais solidariedades. No entanto, sugiro que elas existem.
Se não levarmos em conta a China, que ainda é dominantemente orientada para seu próprio interior, há três centros internacionais de poder no mundo: Estados Unidos, União Européia e Japão. Quais são os interesses que esses centros de poder revelam em direção ao Brasil e ao Mercosul? Os japoneses são francos e explícitos: dão prioridade aos países da Ásia Oriental e do sudeste Asiático; os europeus são menos explícitos, mas é óbvio que dão prioridade para a Europa Oriental e à Ásia Ocidental. Ambas as potências adotam uma óbvia abordagem geopolítica.
O caso dos Estados Unidos é mais complexo. Eles são mais do que um global player. Eles são um poder global, o império, com interesses em todos os lugares. Suas prioridades políticas e econômicas sempre foram a Europa e o Japão. Mas eles sabem que esses países, acrescidos de China e Rússia, são seus piores concorrentes. Eles estão interessados nos países da Ásia Oriental e do sudeste Asiático – afinal de contas, os Estados Unidos também são um centro de poder no Pacífico – e também têm interesse na Europa Oriental e Ásia Ocidental. Entretanto, os Estados Unidos sabem que, em relação a esses países, sua posição é mais fraca se comparada com a do Japão e da União Européia. Estão no Pacífico mas não são uma nação asiática, estão no Atlântico, mas não são europeus.
Nas Américas, por sua vez, ainda que a União Européia e o Japão tenham algum interesse, os Estados Unidos possuem vantagens competitivas. E as elites dos Estados Unidos sabem disso, ainda que não estejam sempre prontas para admiti-lo. Demonstram, porém, um franco interesse pelo projeto da ALCA, não importa qual seja o partido cumprindo mandato. O governo dos Estados Unidos pode enfrentar alguns obstáculos internos, particularmente entre os trabalhadores organizados, mas ele vai forçar o andamento deste acordo continental o quanto puder, pela simples razão de que o acordo consulta o interesse nacional norte-americano. Por essa mesma razão, estará muito mais aberto a concessões mútuas, se comparado com os europeus ou japoneses.
Se é assim, por que o Brasil resiste? Por que, ao invés desta postura, o Brasil não toma a liderança, e decide pôr em andamento a integração comercial da Américas? Por que o Brasil, que tem custos de mão de obra consideravelmente mais baixos do que os Estados Unidos e o Canadá, não define como uma das maiores metas de estratégia econômica a conquista do mercado americano?
A primeira explicação reside no protecionismo. A elite de formuladores de políticas internacionais ainda não percebeu que o protecionismo não é mais uma política legítima para o Brasil: que o Brasil, hoje, se aproveitaria muito mais do livre comércio do que os países ricos, os quais, apesar de se autodenominarem "defensores" do livre comércio, são seus principais inimigos.
A segunda explicação reside na falta de confiança do Brasil em sua habilidade de negociar. Assim como o protecionismo, essa é uma atitude típica do "velho nacionalismo". De acordo com essa visão, o Brasil, como um país fraco, é incapaz de defender seus interesses ao negociar a ALCA. Se nós negociarmos, diz-se, os problemas comerciais que temos com os Estados Unidos – quotas e subsídios sobre produtos agrícolas, a utilização de regras antidumping como uma estratégia protecionista, restrições à exportação de nossos calçados, assim como de outros produtos que utilizam mão de obra intensiva – e, portanto, que temos interesse em discutir e resolver, estariam relegados aos 15% do comércio total que estariam excluídos inicialmente do acordo.
Tal abordagem é herança de nosso complexo de inferioridade colonial. Implica impedir que o Brasil desfrute das oportunidades que a economia global apresenta, sem efetivamente protegê-lo dos efeitos negativos que vêm com a globalização. Temos maior capacidade de negociar do que nós mesmo supomos.
Há uma terceira, e mais vaga, motivação. Ao comprometer-se com esse acordo, o Brasil perderia sua independência política com relação aos Estados Unidos. Nós seríamos impelidos a seguir o modelo político-econômico neoliberal, ao invés, por exemplo, de seguir o modelo de social-democrata do Reno (França e Alemanha). Mas, isso faz pouco sentido. Eu, pessoalmente, acredito que o segundo modelo é superior ao primeiro, em termos políticos e econômicos. Contudo, aqui não é o momento de discutir essa comparação. Não é verdade, no entanto, que assinar um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos signifique necessariamente que o Brasil deve abraçar a pobre política social que os Estados Unidos desenvolvem, nem mesmo o Brasil deverá ter o mesmo nível de conflito social que lá prevalece. O Canadá, por exemplo, está intimamente associado aos Estados Unidos no plano econômico, e no entanto conserva seu sistema social-democrata, possuindo uma sociedade mais justa e equilibrada que a americana.
Nós temos muito a aprender com os Estados Unidos e com a Europa, já que possuímos uma economia pouco eficiente e uma sociedade muito mais injusta. Mas não há razão para copiarmos as instituições americanas, quando há outras melhores a serem adaptadas a nossa realidade.
Somos tão americanos quanto os norte-americanos. Temos muitos interesses comuns e alguns outros conflitantes. O grande país que nos é mais próximo, e com o qual somos mais solidários, é a Argentina, mas aquele que representa maiores oportunidades para nós são os Estados Unidos. Meu pressuposto é o de que a geografia nos aproxima. Vamos negociar, inclusive para ver se isto é verdade, se os americanos estão realmente dispostos a fazer concessões às demais nações americanas que não farão a povos mais distantes. Se não for verdade, logo se verá.
Recentemente – talvez como resultado da presença de Celso Lafer no Ministério das Relações Exteriores – já começamos a tratar de temas substantivos, em vez de apenas empurrar para frente o problema. Estamos, portanto, começando a negociar, e devemo-nos preparar para fazê-lo com competência. Vamos envolver nossos empresários, nossos economistas, nossos especialistas nas diversas áreas. E adotar a atitude de quem quer conquistar maiores mercados. Estou certo que o Brasil é um país maduro o suficiente para negociar bem, em vez de esconder-se em um canto do mundo.