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Apoiar
a Argentina
Luiz Carlos
Bresser-Pereira
Folha de
S.Paulo, 19.7.2001
Argentina needs international support, but after devaluation, not
before.
A crise econômica e financeira da
Argentina é grave, mas poderá ser minorada se o currency board for abandonado, e
se, ao ajuste fiscal, se somar a flutuação do peso, com o apoio dos governos dos países
desenvolvidos, do FMI, e do Brasil. A realização apenas de um ajuste fiscal de US$ 5
bilhões não resolverá o problema. Na verdade somente postergará uma situação
insustentável.
Conforme observou Luis Nassif em artigo recente, a
lógica da especulação praticada pelo sistema financeiro internacional em relação aos
países em desenvolvimento consiste exatamente com o que está feito com a Argentina. O
sistema financeiro realiza grandes ganhos com juros, a partir da existência de um
risco-país elevado, ao mesmo tempo em que nega que o problema enfrentado seja
essencialmente cambial, que esteja diretamente relacionado com a dívida externa e o
déficit em conta corrente. Dessa forma, posterga o mais possível o ajuste cambial
necessário, insistindo que o importante é o ajuste fiscal. Para isto conta com o apoio
do próprio FMI, cujos economistas entram no jogo (que é também ideológico) de negar o
problema financeiro internacional, e afirmar apenas o problema fiscal interno. Conta
também com o apoio a contra-gosto do governo americano, que apóia programas de
salvamento, ou de blindagem do país em crise. Logra, assim, que a
situação se mantenha por mais tempo, permitindo-lhe continuar realizando os ganhos
financeiros extraordinários. Quando, porém, a situação se torna insustentável, os
capitais voláteis retiram-se em tempo, ou então estabelecem os hedges necessários,
de forma que a desvalorização possa afinal ocorrer em prejuízo maior para quem já
realizou ganhos enormes.
Essa lógica perversa do capital financeiro
internacional, que não representa nenhuma teoria conspiratória da história, mas é
apenas o resultado do comportamento racional de agentes mal regulados, tem um nome
elegante na teoria econômica moral hazard , e tem sido causa de
preocupação de economistas eminentes, como Alan Meltzer. Este chefiou a comissão criada
pelo Congresso americano a International Financial Institution Advisory Commission
que estudou a ação das instituições financeiras internacionais, a partir
exatamente da premissa de que é necessário combater esse tipo de prática.
Entretanto, esse comportamento perverso de agentes
financeiros internacionais só é viável na medida em que conta com a aquiescência
local. Aquiescência que não faltou no Brasil entre 1995 e 1998, e que não falta agora
na Argentina.
Essa demonstração de incompetência e de falta
de coragem das autoridades econômicas locais de enfrentar os verdadeiros problemas do
país é essencial para explicar porque os países em desenvolvimento continuam a
distanciar-se em termos absolutos e relativos dos países ricos. Não são apenas os
interesses e a corrupção que explicam nosso desempenho econômico: é também a
incompetência de nossas elites dirigentes, que não sabem se defender da dominação
ideológica e das ações especulativas do sistema financeiro internacional.
A situação insustentável, que leva os capitais
internacionais a se retirar, já se consubstanciou no caso da Argentina. Diferentemente
entretanto do que aconteceu com o Brasil, na Argentina provavelmente não será suficiente
a desvalorização da moeda local. Tudo indica que, adicionalmente, uma moratória externa
e interna será inevitável.
Os prejuízos causados pela crise, porém, serão
menores se a Argentina contar com o apoio dos Estados Unidos. Era esta a preocupação
principal do presidente Clinton, quando recentemente visitou o Brasil. Mas, como lhe disse
então, é preciso que esse apoio ocorra após a flutuação do peso, e não antes. É
inútil evitar a crise: é preciso resolvê-la.
Quando existe um problema de endividamento externo
e de crise de balanço de pagamentos como é o caso da Argentina, a única forma de
resolver o problema é através da desvalorização real, que mude os preços relativos,
reduzindo os salários em termos reais de toda a economia não apenas do setor
público permitindo que os fluxos econômicos voltem a ocorrer. Esse era o caso do
Brasil em 1998. Entretanto, se o desequilíbrio houver-se agravado demais, e se o país
estiver com sua dívida em grande parte denominada em dólar, como é o caso da Argentina,
a desvalorização apenas alcançada através da flutuação do peso não será
suficiente, seja por um problema de timing, seja porque a desvalorização e
conseqüente redução dos salários reais teria que ser grande demais, e portanto
desorganizadora de todo o sistema econômico.
Nesse caso, a moratória da dívida, e uma solução de longo prazo para ela,
eventualmente através de um novo sistema de securitização com o apoio dos Estados
Unidos e do FMI, serão necessários.
Há quem fale em se fazer a moratória sem, ao
mesmo tempo, deixar-se flutuar o peso. Conforme observou Paul Krugman, esta política
representaria um erro grave, porque não enfrentaria o problema fundamental da economia
argentina, que é o currency board e a convicção fundada dos agentes econômicos
de que o peso está sobrevalorizado. Um princípio
fundamental da boa política econômica é o de que os fluxos são mais importantes do que
os estoques. A dívida é um estoque, que precisa ser resolvido, mas muito mais
importantes são os fluxos de exportação, importação, e produção, que precisam ser
retomados para que a Argentina supere a crise.
Há quem tema que a desvalorização implique na
volta da hiperinflação. Não creio nessa hipótese pela simples razão de que o aumento
generalizado dos preços não resolverá nenhum problema da economia
argentina, que é altamente dolarizada. Ora, a inflação e a hiperinflação não existem
no vácuo: existem para resolver, ainda que de forma perversa, problemas distributivos. É
importante, porém, que o mundo desenvolvido, que é parcialmente responsável pela
situação dramática em que se encontra a Argentina nesse momento, participe do apoio
necessário a ela. E que o Brasil continue com a política que vem adotando de
solidarizar-se com a Argentina, que é nosso parceiro econômico mais importante.
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