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Uma Política Contra o Ódio

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S.Paulo, 17.9.2001

Democratic and capitalist world needs international security;
a security that only the United States can provide.

O ataque bestial que o povo americano sofreu no último dia 11 despertou a solidariedade de todo o mundo civilizado. Todos nós estamos sendo ameaçados e necessariamente haverá medidas punitivas contra os terroristas responsáveis. Entretanto as medidas imediatas de repressão deverão considerar que é preciso repensar de forma global a segurança internacional.
A "política da guerra fria" não terminou com o colapso da União Soviética. Se nós, mundo democrático e capitalista, formos capazes de tirar as devidas lições desse trágico episódio, a "política da guerra fria" será, a partir da liderança dos EUA, substituída por uma política contra o ódio: pela "política da arbitragem internacional".
O colapso da União Soviética significou a derrota do grande inimigo que os EUA e o mundo democrático enfrentaram no século 20 -um inimigo que possuía força militar para nos impor grandes prejuízos e uma ideologia que se pretendia alternativa à democrático-liberal. O ataque do dia 11 e a pronta reação dos países árabes, inclusive os mais antiamericanos, negando apressadamente sua autoria, revelam um fato novo: os verdadeiros inimigos dos EUA não são mais países, mas grupos terroristas movidos pelo ódio.
As ações humanas podem ser movidas por um tipo de razão instrumental qualquer, envolvendo o uso dos meios considerados adequados para atingir objetivos ou interesses definidos, ou podem ser fruto da mais irracional e perigosa das paixões: o ódio. Os governos, por mais atrasados que sejam, não podem se dar ao luxo de serem movidos pelo ódio e atacar a primeira nação hegemônica democrática na história do mundo, pois sabem que seus países seriam imediata e legitimamente destruídos.
Na medida em que todo governo representa, de alguma forma, o povo de um país, as perdas humanas envolvidas poderiam ser lamentadas, mas não seriam razão suficiente para impedir a ação punitiva. Os governos dos países antiamericanos sabem disso, por isso não podem ser vistos como inimigos.
Grupos terroristas, entretanto, podem mover-se pelo ódio, pois não representam povo nenhum. São grupos espalhados por muitos países e de difícil identificação. Não há dúvida de que deverão ser punidos, mas não de forma indiscriminada, pois isso só aumentaria o ódio.
Suponhamos que os EUA reúnam suficientes evidências de que foi um grupo ligado a Bin Laden o autor do ataque e de que ele continua escondido no Afeganistão. Dados esses dois fatos e diante da possível recusa do governo daquele país em colaborar para a prisão e extradição do líder, a retaliação seria legítima. Antes, porém, uma ação de retaliação ao Afeganistão seria ilegítima e apenas agravaria a insegurança do mundo. Os terroristas não seriam eliminados ou desestimulados, mas se multiplicariam.
Num mundo em que não há mais um Estado-nação que mereça o nome de inimigo, a política dos EUA de, em cada região, distinguir países que o apóiam dos que apóiam o inimigo perdeu o sentido. O Afeganistão, por exemplo, é apoiado por dois países que são tradicionais amigos dos EUA: Arábia Saudita e Paquistão. Num mundo globalizado, a segurança internacional é ameaçada por dois problemas: pelo terrorismo internacional e pelos conflitos regionais. A responsabilidade principal pela garantia dessa segurança cabe aos EUA.
No combate ao terrorismo, os americanos deverão contar com o apoio de todos os países civilizados. Quanto aos conflitos regionais, o essencial é que os EUA ajam como árbitros, sempre que possível apoiados por países amigos e pelas organizações internacionais, em vez de tomar partido, como faziam no tempo da Guerra Fria.
Em alguns casos, principalmente nos conflitos na antiga Iugoslávia, os EUA compreenderam perfeitamente sua nova missão. Agiram como árbitros e foram bem-sucedidos, não deixando ressentimentos maiores de sua ação. Acredito que a grande maioria dos habitantes daquela região ficou agradecida.
Já em relação ao Oriente Médio, no conflito entre Palestina e Israel, os EUA não têm agido como árbitro, mas como parte, favorecendo de forma clara o segundo e provocando ódios terríveis nos povos árabes. "O ataque do dia 11 foi causado pelo fundamentalismo islâmico", dizem algumas pessoas irrefletidamente. "Começa agora a guerra de civilizações prevista por Samuel Huntington", concluem irresponsavelmente. O fundamentalismo muçulmano é campo fértil para o terror quando há uma causa ativa: a discriminação de um povo pela potência hegemônica.
Em uma família o ódio entre os filhos substitui o amor quando o pai toma partido de uns contra os outros. A segurança do Estado de Israel é fundamental para o mundo democrático, mas não depende de uma atitude partidária dos EUA. A própria segurança de Israel é prejudicada por esse partidarismo.
Quanto à idéia de que começa agora a guerra de civilizações, creio que não é necessário argumentar. A religião islâmica possui hoje mais adeptos em todo o mundo do que a católica. O fundamentalismo é um problema mais grave para essa religião do que para a cristã, pois os povos que a professam são muito mais pobres. Mas a imensa maioria dos muçulmanos nada tem a ver com o fundamentalismo e muito menos com o terrorismo de grupos extremados.
O mundo democrático e capitalista precisa de segurança internacional -segurança que apenas os EUA poderão proporcionar. Estes, por sua vez, deverão contar com o firme apoio das demais nações democráticas.
No curto prazo, o problema é punir os responsáveis, o que deverá ser feito combinando a firmeza com a prudência. No médio prazo, os EUA deverão começar a debater seu novo papel na garantia da segurança do mundo: papel que só poderá ser o de árbitro dos conflitos internacionais. E, nos dois casos, deveremos ter sempre em mente que ódio não se derrota com ódio igual.
Apesar de todos as injustiças ainda existentes neste mundo, fomos capazes, nos últimos dois séculos, de avançar muito na direção não apenas da paz e da estabilidade política, mas também na da liberdade e da melhoria das condições de vida. Construímos tudo isso a partir de dois princípios fundamentais: a igualdade essencial entre as pessoas e o império da lei. Não a partir do ódio e da violência, que nos atingiram, todos nós, no terrível dia 11 de setembro.