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Melhores Dias
Luiz Carlos Bresser-Pereira
O Estado de
S.Paulo, 25.9.2001
Excessive pessimism,
if baseless, will only do us harm,
be it in the personal or economic point of view.
O
ataque terrorista a Nova York e Washington, além de horror e indignação, causou medo de
guerra, pessimismo, e redução do consumo. Os temores pareciam confirmar-se quando os
Estados Unidos imediatamente se declararam em guerra, embora não houvesse país inimigo,
mas grupos terroristas, a atacar. Entretanto, passado o pior momento da crise, estou
identificando sinais de que o governo e a sociedade americana começam a avaliar com mais
calma o que aconteceu, como é próprio de uma grande democracia, e, por isso, as
probabilidades de guerra diminuíram sensivelmente.
Hesitei
em escrever este artigo, em meio a tanta insegurança, mas decidi fazê-lo porque o
pessimismo excessivo, se infundado, só nos fará mal, seja no plano pessoal, seja no
econômico. Ora, creio ter alguns fatos e dois argumentos que justificam que não se
preveja o pior.
Vamos aos fatos. Enumero apenas quatro: a visita
do presidente Bush a uma mesquita em Washington; seu discurso no Congresso; o editorial do
jornal The New York Times de 22 de setembro; e a
decisão do Pentágono de abandonar o título infeliz que havia escolhido para suas
ações, Justiça Infinita. O significado do primeiro e do último fato são
claros: não haverá guerra de civilizações, nem nada longinquamente parecido com isso.
O discurso de Bush do dia 20 de setembro, quando
lido com atenção, é o discurso ponderado, ainda que indignado, de um líder de uma
nação democrática. Sabemos que é um político conservador e podemos ter desconfianças
quanto à sua capacidade, mas o fato é que neste episódio ele se tem comportado à
altura do cargo. Em seu discurso, disse o presidente qual será o tipo de
guerra que está começando: Essa guerra não vai ser como a guerra
contra o Iraque há uma década, com sua decisiva libertação de território e rápida
conclusão. Não vai se assemelhar à guerra aérea em Kosovo há dois anos, onde tropas
terrestres não foram usadas e nem um único americano foi perdido em combate. Nossa
reação envolve muito mais do que retaliação instantânea e ataques isolados.
Americanos não devem esperar uma batalha, mas sim uma campanha extensa, diferente de
qualquer outra que nós já vimos. Ela pode incluir ataques dramáticos, visíveis na
televisão, e operações secretas, sigilosas até mesmo no sucesso.
Ora, embora a frase não exclua a possibilidade de
ataques dramáticos, ela nos informa que não devemos esperar uma
batalha. Não haverá, portanto, uma guerra mais ampla. Apesar da repulsa que nos
causa o regime político fundamentalista Taleban, nem mesmo contra o Afeganistão haverá
provavelmente uma guerra que mereça esse nome, já que esse país não pode ser
considerado um inimigo que seja preciso derrotar.
Por outro lado, o editorial do New York Times, publicado no Estadão (23.9),
é também reassegurador. Visivelmente preocupado com o clima de guerra que surgiu no
país, diz o editorial: Com a possibilidade de cerca de 6 mil civis terem
morrido no atentado ao World Trade Center, a América tem todo o direito de atacar os
responsáveis, sejam quem forem. Mas, ao fazer isso, Washington precisa estar atenta ao
selecionar alvos e prever as conseqüências políticas que essas operações militares
devem produzir no mundo islâmico. O resultado da guerra contra o terrorismo deve ser a
erradicação, ou pelo menos sua contenção, e não a criação de uma nova onda de
hostilidade contra os EUA. O objetivo
das ações militares, portanto, é punir os responsáveis, não é a vingança, que só
estimularia o ódio, levando a uma nova onda de hostilidades contra os EUA. E
o editorial continua, afirmando que o Presidente Bush já percebeu esse perigo.
Poderia alguém argumentar que estes fatos são
suficientes para que afastemos a probabilidade de guerra, de aumento da insegurança, e de
aprofundamento da crise econômica. Não o seriam se os Estados Unidos não fossem um
país capitalista moderno e democrático e se não soubéssemos, primeiro, que o
capitalismo moderno não se interessa mais por guerras e, segundo, que as democracias não
enfrentam seus inimigos pensando em vingança. Esses são os meus dois argumentos.
As guerras, nos regimes pré-capitalistas, visavam
escravizar ou transformar em colônias e submeter à tributação os povos vencidos. No
capitalismo mercantil, serviu para definir o espaço nacional de cada novo Estado-nação
que se formava e para garantir o acesso exclusivo a mercados através do estabelecimento
de colônias. No capitalismo industrial, serviu ainda para abrir mercados, assegurando a
colocação de seus produtos ou o acesso a insumos estratégicos. Na medida, porém, que
estes dois últimos fatores foram assegurados, a guerra perdeu o sentido econômico. Houve
ainda quem afirmasse, logo após a Segunda Grande Guerra, que ela era funcional para
superar a insuficiência crônica de demanda, mas esta tese não faz sentido. Há formas
mais racionais de alcançar o mesmo objetivo. Tanto não faz que já há bastante tempo as
bolsas internacionais têm sempre caído quando surge uma ameaça de guerra.
Por outro lado, o recurso ao argumento da honra, e
ao mecanismo da vingança, eram formas típicas das sociedades aristocráticas e
autoritárias de fazer justiça, mas não se sustentam em sociedades como a
americana, em que imperam o Estado de Direito e a democracia. Esta democracia pode ter
suas falhas, mas é suficientemente desenvolvida para saber que a forma civilizada de
fazer justiça contra aqueles que atacam a sociedade é puni-los, desestimulando novos
ataques, e reprimi-los, impedindo-os de fazê-lo.
Nas democracias, os problemas não são resolvidos
entre quatro paredes, mas são o resultado de amplo debate público como aquele que está
ocorrendo hoje nos Estados Unidos. O povo americano está justamente indignado, mas
no debate que está sendo travado ele avalia seu interesse nacional, a necessidade
de alianças, o perigo do aumento do ódio fundamentalista, o valor dos princípios gerais
de justiça em que sua própria sociedade está fundada e a importância de defender seu
povo e todo o mundo civilizado sem se igualar a seus agressores. É o resultado provável
dessa avaliação, nos quadros de um capitalismo moderno e democrático, que me faz prever
melhores, e não piores, dias do que aqueles que o pessimismo atual autoriza.
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