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Manifestações da Crise
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Fundações de apoio são um sintoma
de que a instituição
deve transformar-se em Organização Social.
Folha de
S.Paulo, 17.11.2001
As fundações de
apoio das universidades devem continuar a existir, embora esteja muito claro que elas
constituam uma manifestação do jeitinho brasileiro e da crise da universidade estatal.
São uma irregularidade para dar flexibilidade ao rígido sistema burocrático que
prevalece nas universidades federais e estaduais. Quando uma organização estatal precisa
de uma fundação de apoio, está dado o sinal de que a propriedade estatal lhe impõe
restrições administrativas incompatíveis com a natureza do serviço que ela presta.
É sinal de que
deveria ser transformada numa organização pública não-estatal, numa entidade do
terceiro setor ou numa organização social. Como muitos confundem a transformação em
organizações sociais com privatização -outros temem que essa transformação implique
perda ou diminuição do apoio financeiro do Estado-, a universidade estatal brasileira
não toma as providências necessárias para se auto-reformar e para ganhar, além da
autonomia acadêmica que já tem, a autonomia administrativa necessária, dispensando as
fundações.
As fundações de
apoio existem para realizar pesquisas e estudos por solicitação de órgão do Estado,
para fazer consultoria e para oferecer cursos curtos de educação continuada. Embora
essas atividades não sejam o cerne da universidade, que é o ensino regular de
graduação e pós-graduação e a pesquisa, são todas atividades legítimas. Podem ser
remuneradas pelos beneficiários dos serviços, complementando a remuneração dos
docentes. Por que não realizar diretamente essas atividades, em vez de recorrer às
fundações? Porque essas atividades exigem flexibilidade e ajustamento ao mercado, o que
é quase impossível na propriedade estatal.
Organizações que
realizam atividades exclusivas de Estado não necessitam de fundações de apoio. Já
imaginaram a Receita Federal ou o Tribunal de Justiça de São Paulo terem
"fundações de apoio"? É inimaginável. São entidades com poder de Estado,
que só podem ser remuneradas pelos recursos da tributação. Existe uma diferença
essencial entre as atividades exclusivas de Estado e as atividades sociais e científicas,
como as das universidades, que devem ser financiadas principalmente pelo Estado.
As fundações de
apoio são típicas de departamentos ou de escolas profissionais das universidades, como
engenharia, economia e administração. Aí a complementação salarial realiza-se
principalmente por meio dos serviços que os docentes nelas prestam. Já as escolas
puramente científicas não têm essa possibilidade. Por isso a complementação salarial
deve vir de órgãos estatais de apoio, como CNPq e Fapesp.
As fundações
privadas constituem uma forma esperta, brasileira, de complementar salários dos
professores de departamentos profissionais, estimulando-os a ficar na universidade em vez
de se dedicarem à consultoria privada.
As universidades
americanas, inclusive as chamadas "estaduais", são todas públicas, mas nenhuma
é estatal. Seus funcionários e professores não são servidores públicos. Realizam
atividades de consultoria e ensino continuado, mas não necessitam de fundações de
apoio, pois já são autônomas administrativamente. Elas têm um sistema institucional
semelhante ao das organizações sociais. Da mesma forma, a Fundação Getúlio Vargas de
São Paulo, onde eu ensino, tem seus cursos de graduação e pós-graduação e seu centro
de apoio à pesquisa, mas tem também um centro de educação continuada e um escritório
de consultoria, sem, para isso, precisar de outra fundação.
As fundações de
apoio constituem uma irregularidade do ponto de vista da visão burocrática do Estado.
São uma forma de escapar aos controles rígidos que o Estado impõe às suas próprias
atividades. De um ponto de vista mais amplo, trazem o constante perigo de não serem
transparentes e de escaparem aos controles necessários da sociedade. Mas é preciso
admitir que não há alternativa de curto prazo para elas. Enquanto mantivermos nossas
universidades como propriedade estatal, uma das muitas formas pelas quais sua própria
crise continuará a se manifestar será através das fundações de apoio.

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