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Depois do Afeganistão

Luiz Carlos Bresser-Pereira

After September 11 and Afghanistan, globalization ceased to be only
an economic phenomenon and started to be a political phenomenon.

Folha de S.Paulo, 15.12.2001

A velha lógica da "política das grandes potências", que exige do poder hegemônico sua reafirmação sempre que houver qualquer dúvida sobre ele, obrigou os EUA a iniciar uma guerra contra o governo fundamentalista do Afeganistão. Os bombardeios derrubaram o governo Taleban, cujas milícias voltam à condição de guerrilha.
Duas perguntas merecem atenção. Será que demos um passo importante na luta contra o terrorismo ou demos mais fôlego para os agentes do terror? E quanto tempo os EUA demorarão para compreender seu novo papel arbitral e de mantenedores da ordem globalizada em que vivemos? Não devemos nos enganar. Se os terroristas perderam abrigo, provavelmente ganharam adeptos. O que lhes interessa é o aumento do ódio e do medo. O terrorista não quer o poder, pois sabe que não poderá mantê-lo. Ele quer criar insegurança.
Estamos acostumados a pensar nos conflitos mundiais como conflitos entre países, mas hoje a ameaça principal ao mundo secular e democrático que o Ocidente construiu não vem mais dos Estados nacionais, e sim de inimigos de uma natureza diferente. De um lado, temos o terror e a máfia das drogas, exigindo uma competência policial dos governos; de outro lado, as ameaças surgem do aquecimento global, da pobreza extrema existente no mundo e da instabilidade sempre presente em fluxos financeiros de mais de US$ 1 trilhão/dia.
As vitórias militares tendem a se autojustificar, mas, no presente caso, é perigoso interpretar assim o que ocorreu no Afeganistão. Enfraqueceu-se a organização de Bin Laden, mas não sabemos qual terá sido a reação da minoria com tendências extremistas que existe entre os milhões de muçulmanos. Terá essa minoria se tornado ainda menor ou a repressão estimulou seu crescimento?
O terrorismo é, por definição, disseminado, fortalecendo-se com o aumento da animosidade. Contra o terrorismo é necessária uma ação policial de larga escala, que foi facilitada no território afegão, mas que pode se tornar mais difícil entre os grupos fundamentalistas nos demais países, inclusive nos ricos. É bom lembrar que os terroristas que atacaram os EUA eram praticamente todos sauditas, cidadãos de um país amigo.
No mundo global, em que a hegemonia americana é inconteste, todas as potências intermediárias, a partir da China e da Rússia, estão interessadas em participar do mercado global. Seus conflitos estão no campo da competição comercial, e não se resolvem por meio de guerras. Nesse novo mundo, os EUA, com os demais países, terão como papel arbitrar os conflitos regionais e manter a ordem necessária. Para isso contarão com organizações internacionais, pois o papel delas na institucionalização de uma ordem mundial será cada vez maior.
Os EUA já começaram a perceber esse novo papel quando mudaram sua política em relação ao conflito Israel-Palestina, passando a exigir que Israel caminhasse na direção da paz. Reconheceram a mudança quando pagaram seus débitos com a ONU e a prestigiaram. E, novamente, quando, em Doha, além de fazerem concessões limitadas, deram força a países que, como o Brasil, defenderam com firmeza o início de uma nova rodada de liberalização comercial.
No caso do Afeganistão, os EUA foram obrigados a agir como uma velha superpotência. É segundo essa mesma lógica que seus falcões consideram ataques a outros pequenos países. Mas essa é uma lógica de guerra em um mundo globalizado no qual a guerra só faz sentido se for para garantir a paz.
O mundo está se tornando pequeno enquanto se torna global. Seus mercados estão integrados e essencialmente abertos. Não é mais necessário usar a força para abrir mercados. A globalização, que era um fenômeno principalmente econômico, começa agora a assumir um caráter político. No lugar da política das grandes potências inimigas, teremos a "política da ordem globalizada". O mundo do mercado global é um mundo em que todos, em princípio, ganham. Foi principalmente por essa razão que as guerras perderam sentido.
Por enquanto esse mundo global está desordenado, pouco institucionalizado. As poucas regras existentes tendem a favorecer os mais fortes. Mas o 11 de setembro mostrou que a segurança desse mundo exige uma cooperação internacional muito maior. Uma cooperação que só será possível quando as novas instituições forem mais equânimes e envolverem, além da idéia da competição, o princípio da solidariedade.