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Endividamento sem Crescimento
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Foreign savings in the shape of
direct investment
have as trade off an increased domestic consumption.
Folha de
S.Paulo, 18 de janeiro, 2002
Desde a crise da
dívida externa, no início dos anos 80, os dirigentes dos países ricos, quando se
referem ao problema dos países em desenvolvimento, têm receita e diagnóstico prontos:
"Entendemos que vocês não tenham mais poupança interna para promover seu próprio
desenvolvimento, mas, desde que façam a lição de casa -as reformas e o ajuste fiscal-,
não precisam se preocupar, pois nossas empresas investirão em seus países".
Ora, embora
defendida honestamente por quem torce pelo nosso desenvolvimento, essa tese é equivocada:
é mero saber convencional. Não é simplesmente falsa -se o fosse, não se sustentaria-,
mas é uma meia verdade cheia de perigos para os países em desenvolvimento. Ela parte do
pressuposto de que os países endividados não teriam recursos para se desenvolver. Isso
é falso.
Um país de
desenvolvimento intermediário como o Brasil sempre tem recursos próprios. Depende de
taxa de salários que lhe sirva de base e da capacidade de poupança do Estado. E, em
segundo lugar, o investimento real em prédios e equipamentos é fator estratégico do
desenvolvimento, mas "investimentos direto", apesar do nome, é apenas uma forma
de financiamento, que pode resultar em aumento do consumo, em vez de acumulação de
capital.
Todas as pesquisas
realizadas entre os países da OCDE mostram que, embora esses países recebam e façam
investimentos diretos entre si, quase 100% da acumulação de capital neles realizada são
resultado de poupança nacional. O investimento direto não é recebido para financiar
déficits em conta corrente, mas para que o país aproveite as vantagens tecnológicas das
multinacionais.
O Brasil, ao
contrário dos países desenvolvidos, tem usado os investimentos diretos e os empréstimos
para financiar déficit em conta corrente. Em consequência, para aumentar o consumo. A
poupança externa que vem com os financiamentos sai na forma de consumo e, no final, o
país não se desenvolve, apenas aumenta seu endividamento.
Durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, houve um grande avanço na educação, na saúde, na reforma
agrária e no sistema de proteção social. No plano econômico, entretanto, os resultados
foram muito menos animadores. Os investimentos direitos aumentaram extraordinariamente:
até 1994, o país recebia no máximo US$ 2 bilhões/ano de investimentos estrangeiros;
depois do Plano Real, temos recebido, em média, US$ 2 bilhões/mês. Contrariando o saber
convencional, a taxa de crescimento permaneceu em torno de 1% per capita.
Nos anos 90, a
produtividade aumentou muito -graças principalmente à abertura comercial-, mas a
política macroeconômica baseada em altas taxas de juros e em câmbio relativamente
valorizado impediu que o aumento da produtividade se transformasse em crescimento da renda
por habitante. E as altas taxas de juros continuaram desestimulando o investimento real.
Dessa forma, o aumento do endividamento externo patrimonial causado pelos investimentos
diretos não teve como contrapartida o aumento significativo da acumulação de capital.
Como explicar esse
fato? Como um investimento de uma multinacional pode deixar de se transformar em
investimento real e transformar-se em consumo? Existirá algum mecanismo intrínseco ao
financiamento externo, inclusive ao investimento direto, que tende a torná-lo perverso,
compensando o financiamento de novos investimentos por estrangeiros com o aumento do
consumo por nacionais? Minha tese é a de que esse mecanismo existe. Não é inevitável,
mas, se não houver uma plena consciência dele e políticas macroeconômicas adequadas
para neutralizá-lo, os resultados poderão ser desastrosos, como têm sido no Brasil.
O mecanismo é
simples e nada tem a ver com as próprias empresas, mas com a política macroeconômica do
governo. O investimento direto é um fluxo financeiro adicional para o país que, mantida
a taxa de juros, baixa a taxa de câmbio de equilíbrio da economia, apreciando a moeda
local. Com a valorização, aumentam os salários, já que a apreciação do câmbio é
uma mudança de preços relativos a favor de bens e serviços não-comercializáveis,
entre os quais o mais importante é a força de trabalho. Aumentando os salários por
causa da apreciação da moeda local, aumenta o consumo, diminuindo proporcionalmente a
poupança.
Foi o que aconteceu
no Brasil: nos últimos anos, o nível de investimentos cresceu muito pouco, enquanto a
poupança doméstica caía proporcionalmente ao déficit em conta corrente.
Assim, mesmo que o
investimento da multinacional tenha sido feito em prédios e equipamentos, a poupança
externa embutida no investimento direto foi anulada pela redução da poupança interna
causada pelo aumento do consumo. Como o investimento direto financiou o déficit em conta
corrente, o país absorveu poupança externa, ou seja, endividou-se, mas não cresceu nem
aumentou sua capacidade de remunerar o capital estrangeiro investido.
O diagnóstico e a
receita dos nossos amigos do norte sobre como nos desenvolver são, portanto, puro saber
convencional. Além de não se confirmarem na prática, há uma teoria clara que explica
por que isso não acontece.
Não haveria uma
forma de receber os investimentos diretos sem valorizar o câmbio? Para isso seria
necessário que esses financiamentos patrimoniais fossem usados para reduzir a dívida
financeira. Ou então que o investimento direto fosse compensado pela diminuição da taxa
de juros interna, já que a redução da taxa de juros interna eleva a taxa de câmbio de
equilíbrio, desvalorizando-a. Essas duas condições, entretanto, não fazem parte do
saber convencional e são esquecidas pelas elites locais, que aceitam esse saber
convencional sem críticas. O resultado é o endividamento sem desenvolvimento.
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