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Valorização da Polícia
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Está faltando um
grande mutirão da sociedade
contra o crime organizado
O Estado de
S.Paulo, 12 de fevereiro, 2002
A valorização da
polícia e mais amplamente do sistema judiciário brasileiro é essencial para o combate
ao crime organizado. Depois da morte de Celso Daniel, o admirável prefeito de Santo
André, já ocorreu uma reação saudável do governo e da sociedade diante da ameaça
representada pelo crime organizado, mas a solução a médio prazo do problema envolve uma
polícia mais valorizada e mais envolvida com a sociedade à qual serve.
As medidas que são
necessárias para combater o crime organizado no Brasil já foram bastante discutidas.
Além de fortalecer o Ministério Público e o Judiciário, é preciso prestigiar a
polícia, pagando-a melhor; e saneando-a pela expulsão dos corruptos. É preciso tornar
mais flexível o capítulo da segurança pública da Constituição. É preciso unificar
as polícias administrativamente, e descentralizar sua ação, além de fortalecer as
polícias municipais, de forma a viabilizar o policiamento comunitário. É preciso mudar
o Código de Processo Penal, diminuindo as possibilidades de recursos e de prescrição da
pena, que permitem a advogados espertos garantir a impunidade para seus clientes, como
também é preciso garantir através de bons advogados a defesa aos pobres. É preciso
criar sistema de penas alternativas, de forma a evitar casos de encarceramento
desnecessário ou mesmo ilegal.
Todas essas
medidas, entretanto, envolvem uma mudança radical de atitude dos brasileiros em relação
à polícia. Há muita gente ainda no Brasil acostumada a pensar na polícia como um
mecanismo de repressão. Isto é tanto verdade para aqueles que defendem os direitos
humanos dos presos, quanto para os que querem aumentar suas penas. Tanto para uns, quanto
para outros a polícia seria a mesma coisa o instrumento para manter sob controle o
descontentamento social.
Ora, a polícia
pode ter tido esse papel, mas o Brasil já é uma democracia, e nas democracias a polícia
é um instrumento de garantia de direitos da maior importância, principalmente para os
pobres. Quando fui Secretário do Governo, no Governo Montoro (1985-86), fiquei
impressionado pela demanda de polícia proveniente dos setores pobres da população. Para
eles, que não tem carros blindados, e guardas particulares, a polícia é a única
garantia contra o crime, que, se atinge os ricos e a classe média, vitima principalmente
os pobres.
Se mudarmos nossa
atitude em relação à polícia, se a valorizarmos material e simbolicamente, se a virmos
como um instrumento fundamental da defesa de nossos direitos de cidadania, se pensarmos
que cabe a ela, ao Ministério Público, e ao Judiciário proteger a vida das pessoas, seu
patrimônio, e o patrimônio público, poderemos exigir um desempenho mais efetivo da sua
parte. E teremos a nova policia de que necessitamos.
O deputado Aécio
Neves resumiu o que estou dizendo quando afirmou: Está faltando no Brasil algo
parecido com o que ocorreu na Itália há alguns: um grande mutirão da sociedade contra o
crime organizado.
Em São Paulo um
grande esforço vem sendo realizado para equipar e sanear a polícia civil e militar da
corrupção. Em 2001 mais de 300 policiais foram expulsos de cada uma das duas polícias
paulistas. Mas isto não basta. Além de punir, é preciso prestigiar, incentivar. O
número de policiais que morrem em serviço no Brasil é grande, e no entanto isto não
comove a sociedade.
Além de valorizar
e sanear a polícia radicalmente, é necessário é reorganizá-la, melhorar a qualidade
de seus recursos humanos dos homens e mulheres que a servem e
prestigiá-los, motivando-os a realizar uma tarefa do mais alto interesse público, cheia
de riscos.
A unificação das
polícias é uma condição para que sua ação seja eficaz e coordenada. Policiais
militares não fazem o menor sentido. Os atuais devem ser transformados em policiais civis
fardados.
A municipalização
gradativa da polícia, como ocorre nos Estados Unidos, é a outra condição
organizacional básica para torná-la mais efetiva. A policia deve ser unificada em termos
de treinamento e procedimento, mas deve tender a ser local em termos de regime de emprego,
de forma que o policial tenha um compromisso direto com a comunidade a que serve.
Muitas das coisas
que estou aqui dizendo fizeram parte do Plano Nacional de Segurança que o Ministro José
Gregori, ajudado por elementos da sociedade civil, apresentou há pouco mais de um ano, e
estão agora sendo novamente consideradas. Mas as iniciativas ficaram paradas no ar, não
por falta de vontade do governo, mas porque seus membros, os partidos de oposição, e a
sociedade civil, através de seus líderes, não foram capazes de se unir em torno do
plano, não entenderam que um plano dessa natureza só vai adiante quando há uma
mobilização da sociedade e dos políticos em torno da mudança desejada.
No presente caso, a
mudança essencial é a de atitude em relação à polícia. Embora policiais possam ser
corruptos e, em muitos casos, violem direitos humanos crimes que precisam continuar
a ser denunciados e punidos ou entendemos a polícia como um instrumento
fundamental da defesa da vida e do patrimônio dos cidadãos, e da proteção de nossos
direitos republicanos, ou continuaremos sujeitos ao crime organizado.
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